TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
609 acórdão n.º 741/20 39. Se estivermos a falar da GNR, da realidade da GNR, até ao ano de 1999, a resposta é sim, de facto até ao final do ano de 1999 os militares da GNR estavam sujeitos a uma forte hierarquia pois era-lhes aplicável o Regu- lamento de Disciplina Militar (RDM), tal qual aos militares das Forças Armadas. 40. Depois dessa data, ou seja, desde há 20 anos, que os militares da GNR estão sujeitos a um regulamento disciplinar próprio, o RDGNR, regulamento esse cujo principal objetivo foi justamente subtrair os militares da GNR ao regime da forte hierarquia militar, nomeadamente deixando de prever penas de prisão disciplinar. Veja- mos, a. O art.º 7.º do RDGNR manda aplicar subsidiariamente o RDM na parte não incompatível. E qual é a parte incompatível, justamente as normas disciplinares típicas de um regime militar, tais como, v. g. , as que pre- veem prisão disciplinar, outrossim as que permitem, de imediato e ainda sem processo, perante uma infração, que um militar seja confinado (privado do direito fundamental à liberdade de ambulação) a determinado casa/espaço/ instalação, podendo-se, para o efeito, recorrer “a todos os meios absolutamente necessários” (art.º 87.º, n.º 1, do RDM), e ainda as normas que permitem que um superior hierárquico militar “empregar quaisquer meios extraor- dinários para compelir os inferiores hierárquicos à obediência” (artigo 13, n.º 2, do RDM). b. É devido a este tipo de normas que podemos deduzir existir uma forte hierarquia nas Forças Armadas, bem como pela aplicação plena do Código de Justiça Militar (CJM). c. Mas, tais normas, não existem no RDGNR, pois o legislador em 1999 teve claramente a intenção de subtrair a GNR à forte hierarquia militar, o que se pode constatar pela leitura dos debates parlamentares subjacentes à aprovação da Lei n.º 145/99 de 1 de setembro, que aprovou o RDGNR. d. Hoje, a disciplina na GNR, fazendo um estudo comparativo, é semelhante à da PSP e à dos demais funcio- nários públicos, não estando, por isso, os militares da GNR sujeitos a perderem mais objetividade e isenção no exercício da advocacia (que é apenas exercido em exclusividade para a própria GNR) do que está um técnico superior quando exerce a advocacia, ou mesmo um polícia da PSP (em regime de exclusividade). e. Apenas numa situação a GNR pode voltar a ficar sujeita temporariamente a uma forte hierarquia, rectius ao RDM, qual seja, f. Nos termos do artigo l.º, n.º 5, do RDGNR, conjugado com o artigo 2.º, n.º 2, da Lei Orgânica da GNR, a GNR apenas pode ser sujeita ao RDM: (i) país em estado de guerra ou estado de sítio ou de emergência e (ii) colocação da GNR na dependência do Chefe do Estado-maior-General da Forças Armadas (por des- pacho administrativo). g. Tal situação nunca ocorreu em 110 anos de história da GNR nem se prevê que venha a acontecer, pois tal implicaria estado de guerra civil ou quase, no território nacional, ou agressão externa, mas, h. Em teoria, mesmo que tal cenário hipotético visse a ocorrer, isso apenas implicaria que os membros/mili- tares da GNR que se encontrassem a exercer a advocacia em regime de subordinação e exclusividade para a própria GNR entrariam numa situação de incompatibilidade superveniente – a declarar nos termos do artigo 91.º, alínea d) , do EOA. 41. Hoje, 42. Basta procedemos a uma breve análise comparativa do Regulamento Disciplinar hoje em vigor para os trabalhadores em funções públicas, bem como do “pai” do atual RDGNR que foi o antigo Estatuto Disciplinar da Função Pública aprovado pelo DL n.º 24/84 de 16 de janeiro, bem como de alguns Estatutos Disciplinares especiais como v. g. o Estatuto Disciplinar da PSP, para constatarmos 43. Que os poderes hierárquicos e a sua intensidade, bem como as consequências disciplinares da violação dos deveres estatutários, são praticamente iguais. Se olharmos ao regime disciplinar da PSP e da GNR verificaremos que um é quase cópia do outro, chegando ao ponto de as sanções disciplinares terem, numa quase sinonímia, os mesmos efeitos. Portanto, 44. Falar hoje em forte hierarquia na GNR só o poderá fazer em consciência e estando de boa-fé, quem des- conhecer o regime legal dessa hierarquia, o que se apreende pela leitura dos atuais regimes disciplinares (feita a comparação), sendo,
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