TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
605 acórdão n.º 741/20 militares e das forças e serviços de segurança, sendo a única força de segurança com natureza e organização milita- res, caracterizando-se como uma Força Militar de Segurança. A Guarda constitui-se assim como uma Instituição charneira, entre as Forças Militares e as Forças Policiais e Serviços de Segurança» – cfr. https://www.gnr.pt/missao. aspx. É, aliás, essa sua posição de “charneira” que justifica que a GNR tenha «por missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e proteção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da Constituição e da lei» – cfr. art. 1.º/2 da Lei n.º 63/2007. O facto de ela se inserir na estrutura orgânica do Ministério da Adminis- tração Interna, e não na do Ministério da Defesa Nacional, resulta da prevalência estatutária dada à sua missão de segurança interna em relação à de defesa nacional, que é meramente complementar, mas não altera, por si só, a sua natureza militar. Pode até dizer-se que é precisamente este posicionamento externo da GNR em relação à estrutura orgânica do Ministério da Defesa Nacional, e às Forças Armadas, que a qualificam como uma força militarizada, e não como uma força militar, entendendo agora a expressão no seu sentido orgânico mais estrito. E não foi por acaso que o legislador a qualificou como «uma força de segurança de natureza militar» e não como uma força de segurança militar. A natureza militar da GNR resulta inequivocamente da sua forma de organização, pois a mesma é, recorde-se, «constituída por militares organizados num corpo especial de tropas» – cir. art. 1.71 da Lei n.» 63/2007. De resto, essa natureza e organização militares, assim como o estatuto militar dos respetivos agentes, foram abundantemente evidenciados na sentença recorrida, pelo que nos dispensamos aqui de reproduzir todos os elementos do seu regime que concorrem para a sua qualificação como uma força de segurança militarizada. Assim, e sem necessidade de mais considerações, podemos concluir que a sentença recorrida não merece qualquer censura quando afirma que «o Requerente é militar da GNR e enquanto tal é um “membro das Forças Armadas ou militarizadas”», recusando-se, em consequência, a intimar a Requerida a inscrever o Requerente como Advogado- -Estagiário com o fundamento de que o mesmo não está impedido de exercer advocacia. 10. Em face da conclusão que antecede, resta apreciar a questão de saber se, ao estabelecer uma incompatibili- dade para o exercício da advocacia aos militares da GNR, a alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA é conforme com a Constituição, à luz da liberdade de escolha de profissão garantida pelo n.º 1 do seu artigo 47.º. Que essa norma condiciona o exercício da profissão de advogado e, nessa medida, é restritiva da liberdade de escolha de profissão do Recorrente, não há qualquer dúvida. Isso mesmo já foi afirmado relativamente a outra norma de incompatibilidade do mesmo Estatuto pela juris- prudência deste Supremo Tribunal, no seu Acórdão de 28 de fevereiro de 2002, proferido no Processo n.º 48.332, e mais recentemente, numa dimensão análoga, no Acórdão de 18 de maio de 2017, proferido no Processo n.º 283/17 – cfr . www.dgsi.pt . A própria jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a atribuir natureza restritiva de direitos, liberdades e garantias a quaisquer normas que condicionem o exercício desta profissão, como resulta, entre outros, dos Acórdãos n. os 169/90, 3/11 e 89/12, todos proferidos pelo Plenário daquele Tribunal em sede de fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade – cfr. www.tribunalconstitucional.pt . A jurisprudência citada é, no entanto, unânime ao reconhecer que o legislador está habilitado a estabelecer restrições àquela liberdade, como aliás decorre do próprio texto constitucional, que ressalva expressamente «as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade» – cfr. art. 47.º/1 da CRP. No citado Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28 de fevereiro de 2002, afirmou-se, a este propósito, que: «Assim, é que o estatuto legal da advocacia consagra certo tipo de regras destinadas, precisamente, a acautelar determinados interesses que o Legislador teve por merecedores de tutela, designadamente, os inerentes aos valores de independência e da dignidade da profissão de advogado. É por isso que, a este nível, a liberdade de escolha de profissão não significa liberdade do seu exercício em concreto, podendo, naturalmente, estar sujeito a limites (neles se inserindo, por exemplo, os relacionados com as incompatibilidades do exercício da advocacia com o desempe- nho de funções públicas), sendo estes legítimos desde que se possam justificar, designadamente, pela necessidade de preservar os mencionados valores de independência e dignidade da profissão de advogado, bem exemplificativos da função ético-social da advocacia». No caso concreto dos autos, o Recorrente argumenta que a condição militar dos membros da GNR não condiciona a sua capacidade para exercer a profissão de advogado com independência, nomeadamente por os mesmos não se encontrarem sujeitos ao Regulamento de Disciplina Militar (RDM) a que
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