TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

604 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “A questão de fundo que se discute neste recurso e sobre a qual este Tribunal tem de se pronunciar é, como vimos, a de saber se um militar da GNR é ou não um «membro das Forças Armadas ou militarizadas», para efeitos do disposto na alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA, e se, em consequência, a Requerida está ou não obrigada a inscrever o Requerente como Advogado-Estagiário, como vem por este peticionado. No caso de se concluir posi- tivamente pela subsunção da situação de facto descrita nos autos à referida previsão normativa, coloca-se também a este Tribunal a questão de saber se aquela disposição legal é conforme com a Constituição, à luz da liberdade de escolha de profissão garantida pelo n.º 1 do seu artigo 47.º, não apenas porque essa questão foi expressamente suscitada pelo recorrente, mas também porque, atenta a sua natureza, a presente ação não pode deixar de implicar para o julgador um dever de diligência acrescido na indagação da conformidade do quadro legal aplicável com as normas constitucionais relativas aos correspondentes direitos fundamentais. 9. É ponto assente na presente ação que a GNR é uma força de natureza militar, apesar de não fazer parte das Forças Armadas. Que a GNR é uma força de natureza militar resulta evidente, desde logo, do n.º 1 do artigo Io da Lei n.º 63/2007, de 23 de novembro, que aprovou a sua orgânica, e que a define como «(...) uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas e dotada de autonomia administrativa». E que não faz parte das Forças Armadas é, do mesmo modo, evidente, pois além de ser apenas uma força de segurança, é uma força organicamente autónoma, que não integra nenhum dos três ramos, nem nenhum dos serviços que compõem as Forças Armadas, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de julho, e alterada pela Lei Orgânica n.º 6/2014, de 1 de setembro. A questão verdadeiramente controvertida na presente ação é, pois, a questão de saber se a GNR é uma força militarizada, para o efeito do disposto na alínea k) , in fine , do n.º 1 do artigo 82.º do EOA. Defende o ora Recorrente, em síntese, que «os militares da GNR, sendo militares, não são militarizados», con- ceito que em sua opinião está reservado a forças que se encontram «acopladas» às Forças Armadas, desempenhando funções complementares destas e inseridas no quadro orgânico do Ministério da Defesa Nacional. Conceito que, nessa perspetiva, apenas parece aplicar-se aos agentes militarizados da Polícia Marítima, criada pelo Decreto-Lei n.º 248/95, de 21 de setembro, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 235/12, de 12 de outubro, e ao designado Quadro de Pessoal Militarizado do Exército (QPME), criado pelo Decreto-Lei n.º 550-R/76, de 12 de julho. O entendimento defendido pelo recorrente não tem, contudo, apoio legal. Desde logo, porque como o próprio reconhece, não existe um conceito legal de forças militarizadas, e os exem- plos que dá dizem respeito ao estatuto funcional de determinados agentes daquelas forças, e não à organização das forças em si mesmas. Ora, a previsão normativa da alínea k) do n.º 1 do artigo 82.º do EOA obedece a um critério orgânico, pelo que está construída por referência à natureza das instituições em que os advogados ou candidatos a advogados se inserem – forças militares ou militarizadas – independentemente do seu estatuto funcional dentro dessas instituições. Por outro lado, aquele entendimento não tem a mínima correspondência no espírito da lei, assentando num exercício hermenêutico formal – que o recorrente designa como lógica aristotélica – segundo o qual a GNR não pode ser qualificada como uma força militarizada porque é militar, apesar de não ser suficientemente militar para se integrar organicamente nas Forças Armadas. Ou seja, apesar de a sua organização ser ainda mais militarizada do que a de outras forças de segurança, ficaria de fora do âmbito de aplicação da norma. Manda, no entanto, a mais elementar lógica jurídica que um regime que não permite o menos também não permita o mais, e que uma restrição imposta aos membros de forças de segurança de natureza não tão marcadamente militar – ou militarizada – como a GNR, também se lhes aplique. Na verdade, por forças militarizadas se deve entender todas as forças de segurança que tenham natureza militar, ainda que não pertençam organicamente às Forças Armadas. E é precisamente isso que define a GNR, como está expresso no já citado n.º 1 do artigo Io [7.º] da respetiva Lei Orgânica, que a qualifica como «(...) uma força de segurança de natureza militar». Atente-se na forma como a própria instituição se define no seu sítio na Internet : «Pela sua natureza e polivalência, a GNR encontra o seu posicionamento institucional no conjunto das forças

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