TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
602 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – Embora seja estranho à questão de inconstitucionalidade o argumento nos termos do qual o atual Estatuto da Ordem dos Advogados não contém uma disposição expressa relativa às incompatibilida- des dos advogados estagiários, pode retirar-se do artigo 193.º do EOA um princípio de equiparação ou de indiferenciação quanto aos requisitos deontológicos mínimos de isenção e independência indis- pensáveis ao exercício das atividades de advogado e advogado estagiário; ao prever-se que os advogados estagiários ficam, desde a sua inscrição, obrigados ao cumprimento do Estatuto e demais regulamen- tos, faz sentido, por identidade de razão, que a respetiva inscrição na Ordem dos Advogados deva estar sujeita às mesmas restrições. IV – A questão em apreciação neste recurso não se prende com saber se os princípios de autonomia técnica, isenção, independência, responsabilidade e dignidade da profissão, que se configuram como princí- pios de interesse público e coletivo, definidores do quadro de exercício da advocacia, podem, ou não, constituir um interesse público habilitante de restrições à liberdade de escolha da profissão de advo- gado – a resposta é obviamente afirmativa –, consistindo o problema em saber se a estrita dimensão de acesso à profissão, através da realização de estágio, é passível de ameaçar a salvaguarda daquelas exigências, em termos tais que exijam restrições idênticas ao livre exercício da profissão. V – Considerando que, como demonstra a jurisprudência, o direito à livre escolha de profissão, consa- grado pelo artigo 47.º, n.º 1, da Constituição se harmoniza com a existência de exigências específi- cas, fixadas por lei, para que o seu exercício seja válido, a interpretação normativa ora atacada não é inconstitucional, desde logo, na medida em que a realização do curso de estágio de advogado é, não só via de acesso à carreira, como sua etapa inicial, e indispensável; trata-se de advogados, ainda que em formação, sendo razoável supor que quem se inscreve no curso de estágio pretende vir a ser advogado definitivamente agregado, e, por isso, igualmente razoável exigir que quem frequente o estágio de advocacia possa – isto é, esteja em condições legais de – vir a sê-lo. VI – Uma vez que se cuida da preparação técnica para o exercício da profissão, sendo o estágio uma fase integrante da mesma, ainda que preliminar, replicar em sede formativa – que inclui a experiência prática de execução de atos profissionais supervisionados – o regime de exigência que a lei prevê para os profissionais em plenitude de funções afigura-se uma restrição justificada do direito fundamental à liberdade de escolha de profissão; atendendo ao recorte concreto das incompatibilidades previstas no artigo 82.º do EOA – entre as quais se inclui, na alínea k) , a qualidade de membro das Forças Armadas ou forças militarizadas – é fácil concluir que o legislador prefere que quem desempenhe as funções de advogado não desempenhe funções públicas passíveis de serem identificadas como formas de exercício ou representação da autoridade do Estado; a lógica sistémica das incompatibilidades legais é cristalina: quem pretende exercer a profissão de advogado – ou seja, de representante do cidadão – não deve parecer representar, ao mesmo tempo, o Estado; são evidentes quer a adequação, quer a necessidade deste tipo de medidas para salvaguardar o interesse público na autonomia técnica, isenção e indepen- dência dos que exercem a profissão de advogado. VII – Do ponto de vista da proporcionalidade em sentido estrito, não se ignora que a restrição em causa implica consequências adversas, agudizadas na fase formativa do exercício da profissão de advogado, em que pode ser difícil que os proventos obtidos com o exercício da profissão permitam assegurar na totalidade as necessidades vitais do profissional e da sua família, todavia, a verdade é que o advogado estagiário é, ainda assim, um advogado; por força das funções que pode desempenhar e dos atos que a lei o autoriza a praticar, ainda que se exija apoio e supervisão dos patronos, o advogado estagiário é
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