TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
596 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ou seja, a aplicar-se o direito à reserva de intimidade da vida privada, a sua afetação, ainda que diretamente operada por decisão judicial, encontra arrimo numa decisão legislativa que, num exercício de ponderação, entendeu que o dever de sigilo bancário pode ser dispensado pelo tribunal nas situações em que este entenda que parte da informação abrangida pelo segredo bancário é relevante para a resolução da causa. Ou seja, o levantamento do sigilo bancário não se faz meramente ao abrigo da interpretação de uma qualquer norma geral, nem do exercício de um poder discricionário conferido à autoridade judicial. Faz-se, sim, por aplicação de uma norma processual específica que prevê a quebra dos deveres de sigilo sempre que tal for indispensável, atentos os contornos particulares do caso em apreço e os direitos constitucionais em conflito. Assim, a decisão de sacrifício da esfera de reserva de intimidade da vida privada que possa entender-se aqui afetada, em função da prevalência de outros bens constitucionalmente protegidos, entre os quais releva a descoberta da verdade, no quadro de um processo justo, foi autorizada pelo legislador. Este só não ordena a quebra obrigatória, em qualquer caso, do dever de sigilo, porque a avaliação de imprescindibilidade dos documentos ou informações por ele abrangidos só pode ser feita num concreto exercício de ponderação, atribuído ao juiz. 17. Em segundo lugar, há que ter em consideração que não nos encontramos, de facto, perante uma simples decisão em primeira instância do Tribunal da Relação. O recorte legislativo do sistema de levanta- mento do sigilo bancário é, como se deu conta, de mais fino e complexo desenho, em especial, configurando a intervenção – meramente incidental – daquele tribunal como a de um elemento imparcial, porque alheio à resolução do processo principal. Nestes termos, é lícito afirmar que a solução que resulta da norma questio- nada, resultante da combinação entre o modelo de intervenção processual previsto no artigo 135.º do CPP e as normas dos artigos 644.º, n.º 1, alínea a) , e 671.º, n.º 1, do CPC, permite tutelar os interesses e direitos fundamentais em conflito, em termos equivalentes aos que seriam assegurados pela previsão de um recurso. Assim, não parece que haja qualquer ofensa aos direitos constitucionais postulados pelo aqui recorrente. O regime legal atacado – que, recorde-se, opera no âmbito do processo civil – preserva, em primeira linha, por meio da atuação do tribunal de primeira instância, o direito de reserva da vida privada, consagrado no artigo 26.º da CRP, quando aquele certifica a legitimidade da escusa. Remete-se, em segunda linha, para o Tribunal da Relação a decisão definitiva quanto à eventualidade da quebra do sigilo, desde que respeitados os critérios fixados pela própria lei. Além disso, assegura-se que uma decisão definitiva só é tomada, pelo tribunal superior (em tese, mais qualificado e, além do mais, deliberando em coletivo), na sequência de uma apreciação judicial prévia. Nestes termos, a dimensão normativa objeto do presente recurso, ao consubs- tanciar um sistema de proteção equivalente à do recurso, satisfaz a teologia e os valores por ele assegurados, situando-se, assim, na margem de liberdade de conformação do legislador em matéria de tutela jurisdicional efetiva de direitos fundamentais, no plano jurídico-cível. Por esta razão, a norma questionada não se afigura contrária à Constituição da República Portuguesa, conforme a densificação que se vem de demonstrar, nos termos explicitados. Em consequência, não é incons- titucional a interpretação normativa segundo a qual a decisão do Tribunal da Relação que se pronuncia sobre a quebra do sigilo bancário por parte de pessoa coletiva, na sequência de uma decisão de primeira instância que afere da legitimidade da escusa ao abrigo do artigo 135.º, n.º 2, do CPP, não constitui uma decisão pro- ferida em primeira instância, para efeitos do disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a) , do CPC, nem decisão proferida sobre decisão da primeira instância, para efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC. III – Decisão Nestes termos, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a interpretação normativa nos termos da qual a decisão do Tribunal da Relação que se pronuncia sobre a quebra do sigilo bancário por parte de pessoa coletiva, na sequên-
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