TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
595 acórdão n.º 740/20 Só nesta situação, e se se propender para uma interpretação ampla do direito fundamental à reserva de intimidade da vida privada, estendendo-o, com poucas reservas, às pessoas coletivas, em geral, e à atividade bancária, em particular, se pode, verdadeiramente, falar da necessidade de tutela em face do direito funda- mental à reserva de intimidade da vida privada, à luz do disposto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, por estarmos no campo da privacidade em sentido formal. De toda a maneira, terá de ser este o concreto pendor conside- rado em sede de ponderação jurídico-constitucional – o do segredo bancário entendido como proteção da informação relativa à atividade do Banco. Nestes termos, cabe assinalar que a norma aqui fiscalizada opera em sede cível, o que é um elemento de avaliação importante, dados os interesses em confronto e a forma como se equilibram, do ponto de vista processual. Desde logo, porque as exigências de descoberta da verdade material são tão ou mais intensas que em sede penal, uma vez que inexiste, neste âmbito, princípio decisório equivalente ao in dubio pro reo . Desta forma, quanto mais difícil e processualmente complexo for o levantamento do sigilo bancário, tanto mais a solução onerará uma das partes – a que, necessariamente, verá cair a sua pretensão por impossibilidade de prova. Por esta razão, a imposição ou levantamento do segredo exige uma ponderação cuidadosa, que per- mita assegurar, além dos demais valores em conflito já evidenciados, a efetividade dos princípios da igualdade substancial das partes (artigo 4.º do CPC), da cooperação e boa-fé processual (artigos 7.º e 8.º do CPC) e da descoberta da verdade material (artigo 417.º do CPC). Efetivamente, não se olvide que, nos termos do n.º 1 do artigo 417.º do Código de Processo Civil, apli- cável ao caso, todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respon- dendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados. É, por isso, pelo menos duvidoso, que o segredo bancário possa ser invocado pelo recorrente para se eximir deste dever, em sua própria defesa, na ação cível que contra si corre, tendo o tribunal competente entendido que os documentos solicitados pelos autores, ora recorridos, constituem elementos necessários ao apuramento da verdade. Em qualquer caso, e tendo em conta o desenho do processo cível, sempre deverão ser casuisticamente pesados os interesses conflituantes em cada situação e a natureza dos valores em contraposição, sendo acei- tável, do ponto de vista constitucional, admitir a prevalência do princípio da descoberta material da verdade sobre a proteção do segredo bancário, na sua vertente formal de sigilo mercantil, quando, no âmbito do objeto do litígio, tal se revele objetivamente justificado. Não se entende, com isto, que o referido segredo ceda em todos os cenários, mas apenas que nada obsta, do ponto de vista dos parâmetros jurídico-constitu- cionais, a que isso suceda nas situações em que os factos que se pretendem demonstrar através do seu levan- tamento se revelem essenciais para boa resolução da causa. 16. Assim, tendo em consideração o que acima se afirmou, mesmo que se considere que a decisão do Tribunal da Relação sobre o levantamento do sigilo bancário pode ser considerada decisão judicial que afeta direitos, liberdades e garantias, crê-se que a norma em apreço se afasta, quanto a pontos essenciais, do per- curso argumentativo e da fundamentação adotada pelo Tribunal Constitucional, justificando-se, por isso, nesta situação, um desvio à jurisprudência consagrada pelo Acórdão n.º 40/08. Expliquemos porquê. Em primeiro lugar, recorde-se que, como já se referiu, a quebra do sigilo bancário se faz, aqui, no qua- dro de um processo judicial, ao abrigo do dever de cooperação para a descoberta da verdade, consagrado no artigo 417.º do Código de Processo Civil. Nessa medida, os dados trazidos para o processo sempre deverão ser, unicamente, os necessários para o apuramento da verdade de factos essenciais ao julgamento da causa. Assim, não só o sigilo bancário cobre, na situação analisada, uma zona de segredo obviamente sujeita a intensa atividade de concordância prática com outros direitos e valores constitucionalmente protegidos, como a sua quebra por iniciativa da autoridade judicial representa uma conformação bastante limitada do bem protegido.
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