TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
594 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (…) impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (Acórdão n.º 278/95)”. Mesmo em relação ao Acórdão n.º 517/15, invocado pelos recorrentes, no qual se admite que “mesmo em relação às pessoas coletivas se deve considerar que existe um direito à vida privada, por tal direito se ajus- tar à particular natureza e às especificidades destas entidades. Assim, por exemplo, os segredos da indústria ou do comércio, as especificidades da organização e funcionamento devem ser enquadrados como componentes de uma esfera de sigilo, protegido pela ordem constitucional, em ordem a salvaguardar, desde logo, uma “equilibrada concorrência entre as empresas”, erigida como incumbência prioritária do Estado, nos termos da alínea f ) do artigo 81.º da Constituição (cfr. Rui Medeiros e António Cortês, anotação ao artigo 26.º, in Miranda, Jorge e Medeiros, Rui, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010), deve recordar-se que a matéria em apreciação era então atinente à relação entre um banco, enquanto contribuinte, e a administração tributária e que, tratando-se de caso muito semelhante ao julgado no Acórdão n.º 145/14, a proteção conferida pelo direito à reserva de intimidade da vida privada, nos termos do artigo 26.º da CRP, foi então aplicado com as mesmas reservas e limitações. 14. Tendo em consideração esta jurisprudência, afigura-se relevante, nesta sede, entender adequada- mente o conceito de privacidade, ou reserva da intimidade da vida privada, protegido à luz do artigo 26.º, n.º 1, da CRP. Este engloba duas dimensões fundamentais: a da privacidade em sentido formal, isto é, a que se impõe sem ser necessário atender à natureza e conteúdo das informações abrangidas; e a privacidade em sentido material, ou seja, a que só se justifica com fundamento no concreto desenho dos dados em causa, e na sua projeção em relação a uma esfera de intimidade, da esfera fundamental de autodeterminação da pessoa. No caso das pessoas coletivas, dir-se-á que estas gozam do direito fundamental consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, quando se trate de matéria em que se impõe a proteção da privacidade em sentido formal, mas já não quando estejamos na dimensão de proteção da privacidade em sentido material, uma vez que esta tem uma conexão inexorável com um elemento de pessoalidade e de intimidade de que não dispõem. Ora, fácil é compreender que o sigilo bancário, na sua dimensão de tutela de dados concretos atinentes à esfera patrimonial dos cidadãos, não integra a esfera de privacidade em sentido formal. Ele é um segredo material dos clientes das instituições bancárias, devido, precisamente à dificuldade em estabelecer uma sepa- ração estanque entre a esfera pessoal e a patrimonial, como se afirma na jurisprudência constitucional. Existe, pois, para proteger a intimidade dos clientes bancários, na medida em que ela pode ser conhecida – e violada – através da análise dos seus registos patrimoniais. Só se protege a esfera do ter, nesta matéria, pelo facto de ela ser parcialmente indissociável da esfera do ser. Assim, em caso algum o instituto do segredo bancário visa, em situações como esta, proteger a instituição bancária em si mesma. Note-se, aliás, que nem mesmo nesta dimensão material, o instituto do sigilo bancário é encarado pelo legislador de forma absoluta, o que inteiramente se coaduna com a jurisprudência constitucional de que acima se deu conta. Nos termos das disposições combinadas dos artigos 78.º e 79.º, n.º 2, alínea e) , da atual versão do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro), as instituições de crédito e seus representantes, empregados ou agentes passaram a ter que revelar o nome de clientes, assim como as contas destes e respetivos movimentos e outras operações bancá- rias, desde que solicitados por autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal. 15. Pelo que se explicou, afigura-se não estarmos, no caso concreto, sequer perante uma situação de verdadeira proteção do segredo bancário enquanto categoria de um conjunto mais vasto de situações de sigilo profissional, mas sim de invocação do segredo bancário na sua vertente de segredo mercantil, de reserva da contabilidade e informações comerciais da instituição bancária. Nesta dimensão, o segredo é estabelecido em função de vários interesses, nomeadamente, o das próprias instituições bancárias, em cuja atividade releva de forma particular uma ideia de proteção da confiança.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=