TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
593 acórdão n.º 740/20 primordialmente direitos de indivíduos, de pessoas singulares. As pessoas colectivas somente são titulares daqueles direitos fundamentais que sejam compatíveis com a sua natureza (artigo 12.º, n.º 2, da CRP), o que coloca um problema de determinação que só casuisticamente pode ser resolvido. É certo que ser ou não compatível com a natureza das pessoas colectivas depende da própria natureza de cada um dos direitos fun- damentais e que, em si mesmo, no conteúdo de proteção e poderes em que se analisa, as pessoas colectivas podem gozar do direito ao segredo bancário, como o direito ordinário torna evidente. Mas o que aqui se pondera é a cobertura do sigilo bancário pelo direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada. Ora, mesmo quando seja concebível a conexão de certo direito fundamental com a personalidade colectiva, daí não se segue que a sua aplicabilidade nesse domínio opere nos mesmos termos e com a mesma amplitude com que decorre relativamente às pessoas singulares (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, p. 113). Como o acórdão bem salienta, o que pode justificar que aspectos do “segredo do ter” da pessoa, paten- tes na conta e noutros dados da situação económica do titular em poder de uma instituição bancária, sejam assimilados ao “segredo do ser” protegido pela reserva da intimidade da vida privada é o que esses elementos podem revelar das escolhas ou contingências de vida do indivíduo, dos seus gostos e propensões, do seu perfil concreto enquanto ser humano, que cada um deve ser livre de resguardar do conhecimento e juízo moral de terceiros. Esta teleologia intrínseca surge eminentemente ligada à proteção da dignidade da pessoa humana, não sendo extensível a entes que apenas tem uma capacidade jurídica funcional, limitada pelo princípio da especialidade do fim que estatutariamente prosseguem, que não têm projeto de vida livremente deter- minado, pelo que o direito ao segredo bancário que contratual e legalmente se lhes reconheça não goza da proteção constitucional especificamente conferida pela inclusão do bem protegido pelo sigilo no âmbito do direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição. A jurisprudência constitucional tem, no entanto, vindo, paulatinamente, a reconhecer a relevância da tutela conferida pelo artigo 26.º da CRP em matéria de segredo bancário, embora com importantes limita- ções. O primeiro aresto que a este respeito merece menção é, precisamente, o Acórdão n.º 442/07, onde se afirmou que o bem protegido pelo sigilo bancário cabe no âmbito de proteção do direito à reserva da vida privada consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, embora com uma projeção eminentemente pessoal: “não é possível estabelecer, sobretudo nas sociedades dos nossos dias, uma separação estanque entre a esfera pessoal e a patrimonial. A posição económica de cada um não deixa de ser uma projeção externa da pessoa, consti- tuindo um dado individualizador da sua identidade. E o sujeito pode ter, também no plano pessoal, um inte- resse tutelável, e tutelável constitucionalmente, a que, não só o montante e o conteúdo do seu património, mas também certas vicissitudes, favoráveis e desfavoráveis, que ele pode experimentar (saída de um prémio de um jogo, recebimento de uma herança, encargos com uma determinada opção de vida, por exemplo) sejam mantidos fora do conhecimento dos outros. Não custa, assim, admitir “uma esfera privada de ordem económica, também merecedora de tutela” (Alberto Luís, Direito bancário , Coimbra, 1985, p.88), como componente da mais geral esfera da privacidade. (...) É sobretudo como instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal, de natureza não patrimonial, que, de outra forma, seriam indiretamente revelados, que o sigilo bancário deve ser constitucionalmente tutelado”. Todavia, esta jurisprudência é, como bem se afirma no Acórdão n.º 145/14, “problemática em relação às pessoas coletivas, muito particularmente as sociedades comerciais, pelo facto de não valerem (ou, pelo menos, de não valerem de igual modo), em relação a elas, as considerações que apontam o sigilo bancário como um instrumento de garantia de dados referentes à vida pessoal”. Para além disto, recorda este aresto, na linha da jurisprudência anterior, “reconhece-se que o segredo bancário se localiza no âmbito da vida de rela- ção, à partida fora da esfera mais estrita da vida pessoal, ocupando uma zona de periferia, mais complacente com restrições advindas da necessidade de acolhimento de princípios e valores com ele conflituantes. Por isso se afirma que “[o] segredo bancário não é abrangido pela tutela constitucional de reserva da vida privada nos mesmos termos de outras áreas da vida pessoal” (Acórdão n.º 42/07) e é mais suscetível a “restrições
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