TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

592 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dever de cooperação das entidades públicas e privadas que disponham de informação ou dados relevantes para tal e, de outro, o interesse na manutenção do sigilo profissional, tendo em mente quer os princípios que o fundamentam, quer os elementos materiais que salvaguarda. Assim, ainda que possa entender-se que uma decisão deste teor por parte de um Tribunal da Relação – que, como acontece nestes autos, não esteja, por competência própria, a funcionar em juízo originário – não constitui uma decisão proferida em primeira instância, para efeitos do disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, nem decisão proferida sobre decisão da primeira instância, para efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, não pode deixar de reconhecer-se que o legislador quis, de alguma maneira, – e disso se assegurou –, uma proteção reforçada do direito à tutela jurisdicional efetiva, nesta matéria. Cabe, pois, determinar se esta proteção reforçada basta para considerar que a atuação do legislador se situou, no que ao direito à tutela jurisdicional efetiva diz respeito, dentro da margem de liberdade de confor- mação que lhe é reconhecida pela CRP. De facto, como o próprio recorrente reconhece, nas suas alegações de recurso, o direito de acesso aos tribunais não abrange um direito geral e indiscriminado ao recurso de todas e quaisquer decisões judiciais. Além disso, e tratando-se, no presente caso, de matéria cível, estamos fora do âmbito de aplicação de um direito subjetivo ao recurso – isto é, que não se configura como mera exigência de uma tutela jurisdicional efetiva –, envolvendo a garantia de um duplo grau de jurisdição, que a jurispru- dêncial constitucional tem reconhecido, em determinados casos, em processo penal. Ora, não parece que a norma questionada no presente caso represente uma violação dos direitos consa- grados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Recorde-se, aliás, que a decisão da primeira instância sobre o processo principal, que inclui, naturalmente, a legalidade da prova carreada para o processo, poderá ser objeto de recurso, nos termos da lei aplicável (que, no caso concreto, garante recurso quer para a Relação, quer para o Supremo Tribunal de Justiça). Nestes termos, e quanto a este ponto, não se verifica a existência de qualquer violação das normas constitucionais. 13. O segundo problema de constitucionalidade consiste em determinar se, ainda que o direito ao recurso ou a um duplo grau de jurisdição não se considere, em abstrato, violado pela norma questionada, a decisão da Relação sobre o levantamento do sigilo bancário tem de poder ser objeto de recurso por, no caso concreto, constituir a causa primeira e direta da afetação de direitos fundamentais – maxime , o direito à reserva de intimidade da vida privada, quer dos clientes, quer do Banco, evocado pelo recorrente, à luz do artigo 26.º da CRP. De facto, no entender do recorrente, esta seria uma decisão jurisdicional que impõe restrições a direitos, liberdades e garantias e da qual, assim sendo, tem de haver recurso, seguindo a jurispru- dência plasmada no Acórdão n.º 40/08, deste Tribunal, de que acima se deu conta. Desde já se esclarece que se entende por plenamente válida tal jurisprudência. Partindo desta premissa, contudo, é necessário que se verifiquem dois pressupostos essenciais, para que ela seja aplicável ao presente caso: i) que haja, efetivamente, uma afetação de um direito fundamental de que o recorrente seja titular; ii) que essa afetação corresponda a uma restrição, operada diretamente, e em primeira linha, pela decisão judi- cial, isto é, que não decorra da lei, mas do ato do juiz. Quanto ao primeiro pressuposto, é, desde logo, duvidoso que se verifique no presente caso, posto que a extensão do âmbito de proteção do direito à reserva de intimidade da vida privada, por um lado, às pessoas coletivas e, por outro lado, à atividade bancária, em particular, levanta reservas jurisprudenciais e doutrinais: “É problemática a inclusão nestes direitos de personalidade do pretenso ‘direito ao segredo do ter’ (‘segredo bancário’, ‘segredo dos recursos financeiros e patrimoniais’, ‘segredo de aplicações do dinheiro’, sigilo fiscal). Além de não haver qualquer princípio ou regra constitucional a dar guarida normativa a um ‘segredo do ter’ (o que obriga alguns autores a recorrerem forçada e esforçadamente a ‘direitos fundamentais implícitos’), sempre haverá que ter em conta a necessidade de concordância prática com outros interesses” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 469). Posição semelhante se encontra, por exemplo, na declaração de voto do Conselheiro Vítor Gomes, aposta ao Acórdão n.º 442/07, onde pode ler-se o seguinte: “Efetivamente, os direitos fundamentais são

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