TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
591 acórdão n.º 740/20 Desta estrutura do regime legal decorrem duas hipóteses contrastantes. A escusa pode ser considerada ilegítima, pelo tribunal de primeira instância, quando não se confirmar, segundo o seu entendimento, que o facto analisado está protegido pelo segredo profissional e, bem assim, pelo direito à reserva da vida privada nesta dimensão. Nesta circunstância, não se cogita de uma quebra de sigilo porque não incide qualquer dever desse tipo sobre a situação, não sendo por ele abrangida. Nesse contexto, o direito fundamental do artigo 26.º da CRP não sofrerá qualquer afetação. Ao contrário, a escusa é considerada legítima, pelo tribunal de primeira instância, quando o facto contro- vertido for classificado como englobado pelo segredo profissional e pela reserva da vida privada. Nesse caso, que foi o que, no presente processo, se verificou, o tribunal a quo reconhece a incidência de tais garantias e remete para o seu tribunal ad quem a conclusão do incidente da quebra do sigilo, de que resultará a definitiva tutela dos interesses conflituantes. Assim, por força do n.º 3 do artigo 135.º do CPP, sendo legítima a escusa, a apreciação positiva da ocorrência do dever de segredo pelo tribunal de primeira instância impõe que seja o tribunal ime- diatamente superior a reapreciar a validade da escusa e, igualmente, decidir de forma definitiva se os interesses da verdade material no processo em curso devem prevalecer em relação ao segredo. 12. Nestes termos, levantam-se dois problemas de constitucionalidade. O primeiro consiste em saber se decorre do direito à tutela jurisdicional efetiva, na sua dimensão de um direito ao recurso, ou a um duplo grau de jurisdição, em qualquer caso, a necessidade de reapreciação por um tribunal superior da decisão tomada pelo Tribunal da Relação acerca do levantamento do sigilo bancário, por parte de pessoa coletiva, tendo em atenção os passos processuais que a precedem, e que acima se descreveram. A primeira questão fundamental é, pois, nesta sede, a seguinte: o sistema de autorização judicial de levantamento do sigilo bancário, globalmente considerado, e tendo em conta, designadamente, quer os sujei- tos envolvidos, quer a posição do detentor do poder de decisão e o concreto iter processual, oferece garantias suficientes, no quadro do ordenamento juscivilista, em termos que permitam, de maneira conforme à Cons- tituição, dispensar a existência de recurso? Adiante-se, desde já, que o sistema desenhado pelo legislador não ignora a necessidade de assegurar uma tutela jurisdicional efetiva dos interesses em causa. É verdade que não o faz através da consagração da figura do recurso, tendo procurado um equilíbrio que permita proteger, igualmente, os valores da celeridade e segurança na administração da justiça, no quadro de um incidente processual que tem uma dimensão mar- cadamente objetiva. Mas é indiscutível que aquele princípio não foi postergado na ponderação com vista a uma concordância prática dos interesses conflituantes, cujo resultado se consubstancia na norma objeto do presente recurso de constitucionalidade. É, pois, precisamente em homenagem à tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente assegurada, que a lei atribui a um tribunal superior tal competência de reexame e de verificação da proporcionalidade (de resto, é o próprio artigo 135.º, n.º 3, do CPP que determina os critérios a serem observados), na fase derradeira do incidente processual de quebra de sigilo bancário, em que necessariamente o tribunal a quo já realizou uma primeira avaliação – em sentido positivo – da existência de cobertura da situação pelo dito dever de sigilo. Ou seja, o legislador teve em consideração o caráter eventualmente gravoso do levantamento do sigilo bancário, bem como a delicadeza dos bens e direitos fundamentais potencialmente contrastantes, e, nessa medida, assegurou a intervenção de um tribunal superior – funcionando em coletivo e, em tese, mais qualificado – para efetuar a ponderação determinante. Mais, este tribunal superior encontra-se completamente afastado do litígio, não sendo o tribunal com- petente para aferição do mérito da causa, podendo, por isso, agir como um terceiro imparcial. Veja-se, aliás, que este sistema é muitíssimo semelhante ao previsto para os inquéritos parlamentares, nos termos do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (consagrado na Lei n.º 5/93, de 1 de março), o que bem se entende pela equivalência dos interesses de ordem pública contrastantes, em ambos os casos: de um lado, o interesse no apuramento dos factos necessários à resolução do processo ou do inquérito, e na efetivação do
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