TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
590 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL afetação de tais direitos. Considera-se, pois, que quando uma atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deve ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação. Mas quando a afetação do direito fundamental do cidadão teve origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já foi objeto de controlo jurisdicio- nal, não é sempre constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão”. Este mesmo critério decisório – nos termos do qual deverá haver recurso quando uma atuação de um tribunal, por si mesma, afecta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão – foi reafirmado nos Acórdãos n. os 44/08 e 197/09. 11. Nessa senda, considerada toda a densificação jusfundamental que veio de se expor, resta averiguar, in casu , se o regime legal subjacente à decisão que afere do levantamento do sigilo bancário, aqui fundado em segredo profissional de uma pessoa coletiva, se encontra, realmente, desprovido de reapreciação jurisdicional, afetando, ainda, algum direito fundamental e, se for este o caso, se a margem de conformação do legislador foi exercida de forma desproporcionada. Vejamos. Em primeiro lugar, destaque-se que a norma que está em disputa diz respeito à natureza da decisão que determina a quebra de tal sigilo em domínio bancário. Recorde-se que a questão de constitucionalidade a resolver se centra na interpretação normativa nos termos da qual a decisão do Tribunal da Relação que se pronuncia sobre a quebra do sigilo bancário por parte de pessoa coletiva, na sequência de uma decisão de primeira instância que afere da legitimidade da escusa ao abrigo do artigo 135.º, n.º 2, do CPP, não constitui uma decisão proferida em primeira instância, para efeitos do disposto no artigo 644.º, n.º 1, alínea a) , do CPC, nem decisão proferida sobre decisão da primeira instância, para efeitos do disposto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC. Como se afirma na decisão recorrida, “as decisões que a Relação profere em primeira instân- cia não são as decisões apreciadas pela primeira vez, sem exceção, logo na Relação. São as decisões em que a Relação funciona como tribunal de primeira instância. Ou seja, quando exerce uma competência que por regra é cometida à primeira instância e excepcionalmente... se atribui à Relação”. Nestes termos, não cabe ao Tribunal Constitucional decidir se a decisão da Relação constitui efetiva- mente, ou não, uma decisão de primeira instância. Essa é uma questão de interpretação do direito infra- constitucional, que este Tribunal tem repetidamente afirmado ser da exclusiva competência dos tribunais comuns. Do que aqui se trata é, pois, de indagar se uma interpretação que exclui das hipóteses normativas da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º e do n.º 1 do artigo 671.º do CPC a decisão sobre a quebra de sigilo bancário, tomada de acordo com o previsto no artigo 135.º, n.º 2, do CPP, impedindo, assim, a interposição quer de recurso de apelação, quer de recurso de revista –, interpretação esta que constitui um dado da questão de constitucionalidade a apreciar –, viola, ou não, normas ou princípios constitucionais, designadamente os invocados pelo recorrente. Sendo certo que, como acabou de se afirmar, a aplicação e a interpretação quanto à forma de trami- tação deste incidente processual são matérias de direito infraconstitucional para as quais são competentes os tribunais comuns, é necessário perscrutá-lo, ainda que apenas topicamente, de forma a confrontar a sua compatibilidade com os parâmetros da CRP ora relevantes. No que respeita a tal incidente de quebra de segredo profissional, vislumbram-se duas fases: ao tribunal de primeira instância cabe pronunciar-se quanto à legitimidade da escusa da prestação de depoimento ou da informação em causa, não tendo lugar um juízo de ponderação de interesses no intuito de determinar o prevalecente; o tribunal de primeira instância verificará se a respetiva situação está, ou não, coberta pelo dever de segredo e, bem assim, por esta dimensão do direito fundamental de reserva da vida privada. Ao tri- bunal imediatamente superior compete, por sua vez, decidir se se deve proceder, ou não, à quebra do sigilo, reapreciando a questão e atendendo ao juízo de ponderação e proporcionalidade da pluralidade de direitos, interesses e bens constitucionalmente protegidos em confronto.
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