TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
585 acórdão n.º 740/20 depoimento com base em sigilo profissional (cfr. artigo 135.º, n.º 3, do CPP), como de resto o tribunal a quo não deixa de reconhecer expressamente – cfr. ponto 23, supra , das presentes alegações. 10. Tal decisão envolve uma afetação do direito à reserva da vida privada, quer da instituição de crédito, quer dos seus clientes e, nessa medida, a mesma deve poder ser objeto de reapreciação em sede de recurso, na linha da jurisprudência formada no Tribunal Constitucional, pelo menos a partir do Acórdão n.º 40/2008 – cfr. ponto 23, supra , das presentes alegações. 11. Sendo a decisão do Tribunal da Relação a primeira decisão judicial sobre a quebra de sigilo bancário e envolvendo uma afetação do direito à reserva da vida privada, a mesma não pode deixar de ser qualificada como decisão de primeira instância para efeitos de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 1, alínea a) , do CPC, sendo inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais conjugado com a violação do direito à reserva da vida privada qualquer interpretação contrária da citada disposição – cfr. ponto 23, supra , das presentes alegações. 12. Não está em causa defender o carácter absoluto do sigilo bancário, mas tão somente sustentar que o direito à reserva da vida privada, conjugado com o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, impõe a existência de um direito ao recurso das decisões judiciais que se pronunciem, em 1.ª instância, sobre a dispensa do segredo bancário – cfr. ponto 25, supra , das presentes alegações.” 6. Devidamente notificados (fls. 165), os recorridos não apresentaram contra-alegações. Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação a) Delimitação do objeto do recurso 7. Preliminarmente, importa analisar a conformação do objeto do presente recurso. Conforme se obtém das transcrições supra , o recorrente, nas suas alegações, acrescenta, em comparação com o requerimento de recurso, ex novo uma referência a um parâmetro, antes ausente, que reputa infringido pela dimensão normativa aqui atacada, a saber, o direito à reserva da vida privada ínsito ao artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa. Desta forma, ele somou-se aos demais dispositivos constitucionais – direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 20.º, n.º 1, e 202.º, n.º 2, da CRP – invocados desde o requerimento inicial. Destaque-se, ainda, que não se promoveu qualquer alteração quanto à norma-objeto trazida à apreciação deste Tribunal Constitucional. Com efeito, embora se encontrem exemplos na jurisprudência constitucional segundo os quais o objeto do recurso se fixa no requerimento da sua interposição, não podendo o recorrente ampliá-lo ou alterá-lo nas suas alegações e, assim, refratários à ideia de que o Tribunal Constitucional possa conhecer de novos fun- damentos paramétricos para emitir o seu juízo de compatibilidade da norma em crise com a Constituição da República Portuguesa (cfr., por todos, os Acórdãos n. os 139/03, 311/05, 512/06 e 424/07, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ), tal orientação jurisprudencial articula-se “manifestamente mal com os amplos poderes cognitivos que o artigo 79.º-C outorga ao Tribunal Constitucional, permitindo-lhe apreciar a questão de constitucionalidade da norma questionada com fundamento em normas ou princípios consti- tucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada: podendo o Tribunal Constitucional, na fase do jul- gamento do recurso, convolar do fundamento da inconstitucionalidade invocado pelo recorrente […], não se vê facilmente por que razão deveria ficar precludido tal poder-dever de o Tribunal proceder a um correto enquadramento jurídico-constitucional da questão só pelo facto de a parte lhe ter ‘sugerido’ que exercesse tal competência” (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e Na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, pp. 210-211).
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