TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
580 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XI – A norma aqui fiscalizada opera em sede cível, o que é um elemento de avaliação importante, dados os interesses em confronto e a forma como se equilibram, do ponto de vista processual; desde logo, porque as exigências de descoberta da verdade material são tão ou mais intensas que em sede penal, uma vez que inexiste, neste âmbito, princípio decisório equivalente ao in dubio pro reo e que, nos ter- mos do n.º 1 do artigo 417.º do CPC, aplicável ao caso, todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados; tendo em conta o desenho do processo cível, é aceitável, do ponto de vista constitucional, admitir a prevalência do princípio da descoberta material da verdade sobre a proteção do segredo bancário, na sua vertente formal de sigilo mercantil, quando, no âmbito do objeto do litígio, tal se revele objetiva- mente justificado. XII – Mesmo que se considere que a decisão do Tribunal da Relação sobre o levantamento do sigilo bancário pode ser considerada decisão judicial que afeta direitos, liberdades e garantias, a norma em apreço afasta-se, quanto a pontos essenciais, do percurso argumentativo e da fundamentação adotada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 40/08; em primeiro lugar, na medida em que a quebra do sigilo bancário se faz, aqui, no quadro de um processo judicial, ao abrigo do dever de cooperação para a descoberta da verdade, pelo que os dados trazidos para o processo sempre deverão ser, unicamente, os necessários para o apuramento da verdade de factos essenciais ao julgamento da causa; o levantamento do sigilo bancário não se faz meramente ao abrigo da inter- pretação de uma qualquer norma geral, nem do exercício de um poder discricionário conferido à autoridade judicial, mas sim por aplicação de uma norma processual específica que prevê a quebra dos deveres de sigilo sempre que tal for indispensável, atentos os contornos particulares do caso em apreço e os direitos constitucionais em conflito, só podendo a avaliação de imprescindibilidade dos documentos ou informações por ele abrangidos ser feita num concreto exercício de pondera- ção, atribuído ao juiz. XIII – Em segundo lugar, não nos encontramos perante uma simples decisão em 1.ª instância do Tribunal da Relação, sendo a intervenção – meramente incidental – daquele tribunal configurada como a de um elemento imparcial, porque alheio à resolução do processo principal, sendo lícito afirmar que a solução que resulta da norma questionada, resultante da combinação entre o modelo de intervenção processual previsto no artigo 135.º do CPP e as normas dos artigos 644.º, n.º 1, alínea a) , e 671.º, n.º 1, do CPC, permite tutelar os interesses e direitos fundamentais em conflito, em termos equiva- lentes aos que seriam assegurados pela previsão de um recurso. XIV– O regime legal atacado – que opera no âmbito do processo civil – preserva, em primeira linha, por meio da atuação do tribunal de primeira instância, o direito de reserva da vida privada, consagrado no artigo 26.º da CRP, quando aquele certifica a legitimidade da escusa; remete-se, em segunda linha, para o Tribunal da Relação a decisão definitiva quanto à eventualidade da quebra do sigilo, desde que respeitados os critérios fixados pela própria lei; além disso, assegura-se que uma decisão definitiva só é tomada, pelo tribunal superior (em tese, mais qualificado e, além do mais, deliberando em coletivo), na sequência de uma apreciação judicial prévia; a dimensão normativa objeto do presente recurso, ao consubstanciar um sistema de proteção equivalente à do recurso, satisfaz a teologia e os valores por ele assegurados, situando-se na margem de liberdade de conformação do legislador em matéria de tutela jurisdicional efetiva de direitos fundamentais, no plano jurídico-cível.
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