TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
579 acórdão n.º 740/20 uma tutela jurisdicional efetiva –, envolvendo a garantia de um duplo grau de jurisdição, que a juris- prudência constitucional tem reconhecido, em determinados casos, em processo penal, não parece que a norma questionada no presente caso represente uma violação dos direitos consagrados no artigo 20.º da CRP; a decisão da primeira instância sobre o processo principal, que inclui, naturalmente, a legalidade da prova carreada para o processo, poderá ser objeto de recurso, nos termos da lei aplicável (que, no caso concreto, garante recurso quer para a Relação, quer para o Supremo Tribunal de Justiça), não se verificando, quanto a este ponto, a existência de qualquer violação das normas constitucionais. VIII– Quanto ao segundo problema de constitucionalidade – consiste em determinar se, ainda que o direi- to ao recurso ou a um duplo grau de jurisdição não se considere, em abstrato, violado pela norma questionada, a decisão da Relação sobre o levantamento do sigilo bancário tem de poder ser objeto de recurso por, no caso concreto, constituir a causa primeira e direta da afetação de direitos funda- mentais, maxime , o direito à reserva de intimidade da vida privada, quer dos clientes, quer do Banco – seria necessário que se verificassem dois pressupostos essenciais, para que fosse aplicável ao presente caso a jurisprudência deste Tribunal, segundo a qual tem de haver recurso da decisão jurisdicional que impõe restrições a direitos, liberdades e garantias: i) que haja, efetivamente, uma afetação de um direito fundamental de que o recorrente seja titular; ii) que essa afetação corresponda a uma restrição, operada diretamente, e em primeira linha, pela decisão judicial, isto é, que não decorra da lei, mas do ato do juiz. IX – Quanto ao primeiro pressuposto, é, desde logo, duvidoso que se verifique no presente caso, posto que a extensão do âmbito de proteção do direito à reserva de intimidade da vida privada, por um lado, às pessoas coletivas e, por outro lado, à atividade bancária, em particular, levanta reservas juris- prudenciais e doutrinais; no entanto a jurisprudência constitucional tem vindo, paulatinamente, a reconhecer a relevância da tutela conferida pelo artigo 26.º da CRP em matéria de segredo bancário, embora com importantes limitações; no caso das pessoas coletivas, dir-se-á que estas gozam do direito fundamental consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, quando se trate de matéria em que se impõe a proteção da privacidade em sentido formal, mas já não quando estejamos na dimensão de proteção da privacidade em sentido material, uma vez que esta tem uma conexão inexorável com um elemento de pessoalidade e de intimidade de que não dispõem; o sigilo bancário, na sua dimensão de tutela de dados concretos atinentes à esfera patrimonial dos cidadãos, não integra a esfera de privacidade em sentido formal; ele existe para proteger a intimidade dos clientes bancários, na medida em que ela pode ser conhecida – e violada – através da análise dos seus registos patrimoniais, só se protegendo, nesta matéria, a esfera do ter, pelo facto de ela ser parcialmente indissociável da esfera do ser; em caso algum o instituto do segredo bancário visa, em situações como esta, proteger a instituição bancária em si mesma. X – No caso concreto, afigura-se não estarmos sequer perante uma situação de verdadeira proteção do segredo bancário enquanto categoria de um conjunto mais vasto de situações de sigilo profissional, mas sim de invocação do segredo bancário na sua vertente de segredo mercantil, de reserva da contabi- lidade e informações comerciais da instituição bancária; só nesta situação, e se se propender para uma interpretação ampla do direito fundamental à reserva de intimidade da vida privada, estendendo-o, com poucas reservas, às pessoas coletivas, em geral, e à atividade bancária, em particular, se pode, ver- dadeiramente, falar da necessidade de tutela em face do direito fundamental à reserva de intimidade da vida privada, à luz do disposto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, por estarmos no campo da privacidade em sentido formal.
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