TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
569 acórdão n.º 711/20 em conta a sua desvalorização, permite que o valor de imposto em causa seja superior ao montante de ISV calculado relativo a veículos usados nacionais equivalentes, viola o artigo 110.º do TFUE. A recorrente invoca, a este propósito, simultaneamente argumentos de ordem jus constitucional interna – nomeadamente incidindo sobre o artigo 104.º, n.º 4, relativo à tributação do consumo, e ao artigo 66.º, n.º 2, relativo às tarefas do Estado na proteção do ambiente, ambos da Constituição – e argumentos relativos à interpretação do TFUE. Neste último âmbito, a argumentação centra-se na necessidade de uma interpreta- ção conjunta dos artigos 110.º, que determina a não discriminação de produtos, e 191.º do TFUE, relativo à proteção do ambiente. 11. Nesse contexto, é de começar por notar que a redação atual do TFUE resulta do Tratado de Lisboa, que alterou o Tratado da União Europeia e o Tratado que institui a Comunidade Europeia, assinado em Lisboa em 13 de dezembro de 2007 por Portugal e pelos restantes Estados-Membros da UE. Este Tratado foi aprovado através da Resolução da Assembleia da República n.º 19/2008, de 19 de maio, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 31/2008, de 19 de maio, tendo começado a produzir efeitos a 1 de dezembro de 2009. Não existem dúvidas de que estamos perante uma convenção internacional em vigor, que vincula a República Portuguesa e que produz os seus efeitos na ordem jurídica interna ao abrigo do artigo 8.º, n.º 4, da Constituição. Sobre a interpretação deste preceito constitucional, o Tribunal Constitucional teve oportunidade de se pronunciar pela primeira vez no recente Acórdão n.º 422/20, tendo referido, no ponto 2.6.2.2., que: «(A) o trecho inicial do preceito – “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União […]” –, no qual adquire direta relevância a decisão constitucional correspon- dente ao “[…] assumir, por parte da ordem jurídica portuguesa, de uma característica essencial do ordenamento comunitário […]: o facto de o direito comunitário ter chamado a si a autoridade para estabelecer o seu rela- cionamento com as ordens jurídicas dos Estados-Membros […]” (Rui Manuel Moura Ramos, O Tratado que Estabelece uma Constituição para a Europa… , cit., pp. 381/382, nota 35). Implica esta vertente do preceito uma limitação (uma limitação que é, todavia, condicional) ao controlo jurisdicional nacional, significando que o Direito da União Europeia - DUE (todo o DUE) adquire imunidade ao nosso sistema de fiscalização da consti- tucionalidade e, concretamente, à intervenção do Tribunal Constitucional no quadro do artigo 277.º, n.º 1, da CRP. Neste caso, sendo óbvia a mensagem normativa contida no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, de exclusão de um controlo regular da constitucionalidade do DUE aplicável em território português, valem as asserções seguintes, invariavelmente sublinhadas pela nossa Doutrina: “[…] o Direito da UE não pode ser declarado inconstitucio- nal nem desaplicado por alegada inconstitucionalidade ou por qualquer tipo de desconformidade com normas de direito interno (leis orgânicas, etc.). Nem o Tribunal Constitucional nem os demais tribunais podem julgar sobre a conformidade das suas normas com a Constituição ou outro instrumento de direito interno. Sob esse ponto de vista, a primazia do direito da UE traduz-se na sua imunidade face ao sistema constitucional de fiscali- zação da constitucionalidade e da ‘legalidade reforçada’. A norma do art. 8.º-4 implica, portanto, uma derroga- ção das normas constitucionais de garantia da Constituição em relação ao direito comunitário, não valendo para este a norma do art. 277.º-1 da CRP, segundo a qual ‘são inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou nos princípios nela consignados’. […]” (J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, CRP. Consti- tuição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, cit., p. 270).(…) (B) No outro plano, também perspetivado na compaginação dispositiva do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, por via do trecho final de sentido contralimitador – “[…] com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático” –, vale, relativamente ao DUE, como que o “restabelecimento” daquilo que, em rigor, sempre esteve latente: o alcance jurisdicional nacional (a competência material) decorrente do artigo 277.º, n.º 1, da CRP. Com efeito, se “[do artigo 8.º, n.º 4] só pode retirar-se […] [o] sentido de uma limitação da jurisdição do Tribunal Constitucional […]”, isso deixa de suceder, por via do inciso final do preceito, ao rea-
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