TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

56 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do Selo: enquadramento constitucional e fiscal”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1 (abril de 2008), p. 86]. Assim, a substituição de uma garantia por outra, quando materialmente acessória de um contrato que já foi especialmente tributado ao abrigo da TGIS e que permanece inalterado, não exprimiria uma renovada capacidade contributiva (antes atestaria que esta se mantém). A esta luz, seria ainda irrelevante que a garantia constituída em substituição da anteriormente prestada (e perecida) fosse de natureza distinta da primeira- mente constituída, de valor superior ou inferior, ou que fosse constituída por prazo mais dilatado ou até sem prazo: desde que se destinasse a garantir a mesma obrigação anteriormente tributada e que esta se mantivesse inalterada, continuaria a ser expressão de uma capacidade contributiva já anteriormente atingida. 15. Em abstrato, não se afigura, todavia, possível interpretar a verba 10 da TGIS, em articulação com as pertinentes normas do CIS, de modo a afirmar, com a segurança com que o afirma a recorrente, que a manifestação de capacidade contributiva visada pelo legislador se esgota na obrigação garantida e não se se materializa (também) na garantia, propriamente dita e autonomamente considerada. Relembre-se que, à luz do princípio da capacidade contributiva, o termo de comparação a mobilizar para o juízo de igualdade há de extrair-se da concretização legislativa da capacidade contributiva que com cada tributo se visa atingir, conquanto se reconheça à(s) norma(s) interposta(s) a necessária conformidade com o mesmo princípio [vide Casalta Nabais, José, O Dever Fundamental de Pagar Impostos – Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, (3.ª reimpressão), Almedina, Coimbra, 2012, p. 444]. Esta é uma tarefa que pode revelar-se especialmente exigente quando a norma interposta é um regime como o do imposto do selo, que, não obstante a reforma iniciada em 1999, continua a dirigir-se a manifesta- ções de capacidade contributiva não atingidas por outros impostos, tal como essas se encontram identificadas numa Tabela, por referência aos atos, contratos, factos ou situações jurídicas em que se materializam – o que confere a este tributo o alcance marcadamente «intersticial» que o caracteriza (o epíteto é de Carlos Baptista Lobo, loc. cit. , p. 85). Realmente, como expressivamente relembra Bruno Santiago, «não obstante esta tendência de desma- terialização e de procurar tributar a manifestação económica subjacente a uma determinada operação (no caso a constituição de garantias), não podemos encará-la de forma ilimitada pois importa não esquecer que, de acordo com a norma de incidência objetiva – o artigo 1.º do CIS – o imposto do selo continua a ser um imposto sobre atos, contratos, documentos, títulos e papéis. Não há nem como nem porque fugir a este facto que faz parte das características imanentes deste imposto desde os seus primórdios.» (vide Santiago, Bruno, op. cit. , p. 120). Ora, ao incluir na TGIS as «garantias das obrigações», não parece que o legislador tenha pretendido atingir apenas a manifestação de capacidade contributiva «revelada» pela constituição, no momento em que esta ocorre, de obrigações garantidas que não sejam especialmente tributadas ao abrigo da mesma Tabela. Pelo contrário, o legislador, sem ignorar a dinâmica das operações financeiras, parece ter pretendido atingir, como novas manifestações de capacidade contributiva, vários factos instantâneos, ocorridos em momentos diferentes e materializados em diferentes atos ou instrumentos, ainda que materialmente relacionados com a mesma obrigação garantida. Assim, por exemplo, não se coibiu de fazer incidir o imposto do selo sobre as mesmas obrigações garantidas em vários cenários hipotéticos, tais como: a prorrogação do prazo dos contra- tos visados pela verba 17.1; a prorrogação do prazo dos contratos abrangidos pela verba 10 (que é sempre considerada uma «nova operação»); ou ainda na hipótese de serem constituídas garantias materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na tabela, em momento posterior ao da celebração destes (ainda que por razões totalmente alheias ao devedor). É certo que, como se referiu supra , a configuração da verba 10 de algum modo acompanhou a reconfi- guração do modelo de tributação do crédito iniciada em 1999 (em especial no que respeita aos prazos). Tam- bém não se ignora que a quantificação do facto tributário, para efeitos de liquidação e cobrança do imposto do selo sobre garantias, é feita por referência ao valor das obrigações garantidas (vide, a este respeito, Laires,

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