TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
546 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL porque está em causa uma liberdade pessoal fundamental e destina-se a garantir que a limitação de tal liberdade só ocorre nos casos normativamente previstos. A validação judicial em apreço é, deste modo, uma medida de controlo da legalidade de medidas administrativas lesivas do direito à liberdade. Na perspetiva do autor da norma, o confinamento decretado administrativamente e o seu controlo judicial são indissociáveis: o primeiro é legítimo (e proporcional) desde que (e porque) controlado pelo poder judicial. Neste caso, até os termos legais apontam neste sentido: sem a “validação judicial”, o confinamento administrativo é “inválido” (ou ilegítimo). Por estas razões, entende-se que a matéria sobre que incide o n.º 6 da Resolução do Conselho do Governo n.º 207/2020 se encontra abrangida pela reserva de competência legislativa da Assembleia da República prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. Sendo certo que a competência para legislar sobre tal matéria só pode ser objeto de autorização ao Governo (da República), e não ao Governo Regional [cfr. os artigos 227.º, n.º 1, alínea b) , e 228.º, n.º 1, da Constituição], é de concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma cuja aplicação foi recusada e pela consequente improcedência do presente recurso. 9. Sempre se dirá, no entanto, que a referida norma enferma de inconstitucionalidade orgânica ainda com base num outro fundamento, não considerado na decisão recorrida, mas que é lícito a este Tribunal conhecer, nos termos do disposto no artigo 79.º-C da LTC. Com efeito, segundo a alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, é também da exclusiva com- petência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre matérias respeitantes à «[o] rganização e competência dos tribunais e do Ministério Público». Na previsão deste preceito cabem «as modificações de competência judiciárias (competência material ou territorial) que não tenham caráter meramente processual», abrangendo também «toda a competência dos tribunais, incluindo as competências não jurisdicionais» (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Consti- tuição da República Portuguesa anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 332). Conforme se refere no Acórdão n.º 690/06, este Tribunal tem entendido, a respeito do alcance a atri- buir a esta reserva legislativa, na parte em que ela tem por objeto a definição da “organização e competência dos tribunais”, que esta abrange «(…) a edição de legislação sobre a competência material dos tribunais, onde se inclui, “para além da definição das matérias cujo conhecimento cabe aos tribunais judiciais e a daquelas cuja conhecimento cabe aos tribunais administrativos e fiscais – … a distribuição das matérias da competência dos tribunais judiciais pelos diferentes tribunais de competência genérica e de competência especializada ou específica” (cfr., verbi gratia , os Acórdãos n. os 36/87, 356/89, 72/90, 271/92, 163/95, 198/95 e 268/97, publicados, respetivamente, no Diário da República , I Série, de 4 de março de 1987, 23 de maio de 1989 e 2 de abril de 1990, mesmo jornal oficial , II Série, de, 23 de novembro de 1992, 8 de junho de 1992, 22 de junho de 1995 e 22 de maio de 1997). Ou, como se referiu no Acórdão n.º 476/98 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) , “inclui-se na reserva parlamentar a definição de toda a competência judiciária ratione materiae – ou seja: a distribuição das matérias pelas diferentes espécies de tribunais dispostos horizontalmente, no mesmo plano, sem que, entre eles, intercedam relações de supra-ordena- ção e de subordinação”.» 10. A norma objeto do presente recurso, ao criar um procedimento de validação judicial de medidas de confinamento decretadas pela autoridade regional de saúde – recorde-se o teor do n.º 6 da Resolução n.º 207/2020 aqui em apreciação: «[n]os casos em que seja decretada quarentena obrigatória pela autoridade de saúde, a mesma deve, no prazo de 24 horas, ser submetida a validação judicial junto do tribunal com- petente» –, estabeleceu, inovatoriamente, um procedimento de natureza jurisdicional, destinado a validar aquele tipo de medidas decretadas pelas autoridades administrativas de saúde. E fê-lo à margem dos regimes adjetivos existentes, bem como das leis relativas à organização judiciária e à definição das competências dos tribunais. Na verdade, embora se limite a referir que a validação da medida
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