TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
545 acórdão n.º 687/20 Crisafulli/Livio Paladin, Commentario breve alla Constituzione, Padova, 1990, p. 79) – e pela gravidade que daí lhes advém (bem expressa no facto de, entre nós, a sua privação estar incluída no conteúdo das mais graves de entre as penas: as de prisão” (anotação ao artigo 27.º, Constituição Portuguesa Anotada , org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, vol. II, 2.ª edição, Lisboa, 2018, p. 544). Este entendimento da “liberdade” prevista no artigo 27.º da Constituição enquanto (também e principalmente) “liberdade física”, que as exceções do n.º 3 confirmam em polo negativo, corresponde ao sentido interpretativo que tem sido adotado na jurisprudência constitucional – vide, designada- mente, os Acórdãos n. os 479/94, 185/96, 83/01, 471/01, 204/15, 220/15, 228/15 e 463/16.». Seguidamente, considerando que este Tribunal, «para aferir de uma eventual privação ou restrição, deve atentar, particularmente, na intensidade da afetação da liberdade resultante da aplicação das normas cuja aplicação foi recusada» e, tendo em conta, para o efeito, o contexto dos factos fixados na decisão então recorrida, apenas «na medida em que estes revelam a potencialidade abstrata de restrição resultante da exe- cução das normas aplicadas» e «enquanto acontecimentos reveladores da intensidade da afetação visada ou consentida pelas normas», conclui-se o seguinte em tal aresto: «Medidas como as que se acabam de traçar – elencadas no contexto já referido no começo deste item – têm, evi- dentemente, um impacto significativo (o que quase corresponde a um eufemismo) na liberdade dos cidadãos [“[o] gozo do direito à liberdade pessoal é afetado pela imposição de quarentena obrigatória aos passageiros provenientes do estrangeiro e pela imposição de isolamento a pessoas suspeitas ou confirmadas com teste positivo de infeção pelo novo coronavírus” – Alessandra Spadaro, COVID19: « Testing the Limits of Human Rights, European Journal of Risk Regulation » , in European Journal of Risk Regulation, 11(2), 317-325. doi:10.1017/err.2020.27]. Em coerência com a jurisprudência constitucional anterior, impõe-se concluir que a maior parte das restrições descritas – mas, acima de tudo, o seu conjunto – corresponde, inequivocamente (e recuperando a classificação do Acórdão n.º 479/94), a uma “privação total da liberdade”. Assim se conclui, seja pela verificação de que a norma, “na sua máxima dimensão abstrata”, implica que o visado “fica circunscrito [a um] espaço confinado […], de todo impedido de circular e de livremente se movimentar” (expressões do referido Acórdão), seja ao constatar, por comparação, que a execução de uma medida como a descrita em muito pouco [e, descontada a envolvência (um quarto de hotel) porventura mais “amigável”, em nada de substancialmente significativo] se afasta do que resultaria da aplicação de uma (hipotética) pena curta de prisão, porventura até com aspetos mais gravosos (por exemplo, a falta de acesso a um espaço comum para exercício físico), seja até, por maioria de razão, face ao que se concluiu no citado Acórdão n.º 479/94, no qual se qualificou como inequívoca privação da liberdade a circunscrição a um espaço confinado até 6 horas (quando no caso dos autos está em causa um período até 56 vezes superior a esse). Em suma, as normas sub judice preveem medidas de privação da liberdade, de sinal contrário à previsão do artigo 27.º, n.º 2, da Constituição e ao direito à liberdade consagrado no n.º 1 do mesmo artigo, na sua vertente de liberdade pessoal.». 8. Estas considerações, respeitantes às medidas de “confinamento obrigatório” analisadas neste aresto, são transponíveis para o caso dos autos. Isto é, deverá igualmente entender-se que as medidas de confina- mento obrigatório – quarentena e isolamento profilático – decretadas pela autoridade regional de saúde (que a norma objeto dos presentes autos exige que sejam submetidas a validação judicial) constituem, em si mes- mas, pelos constrangimentos que implicam para os visados (o confinamento a um espaço circunscrito, com a consequente restrição à liberdade de circulação e de movimentação), uma restrição ao direito à liberdade, previsto no artigo 27.º da CRP. Assim, a norma ora questionada, embora não estabeleça qualquer privação da liberdade, ao sujeitar a validação judicial as citadas medidas de confinamento obrigatório decretadas pela autoridade regional de saúde – que são medidas administrativas lesivas do direito à liberdade das pessoas visadas –, está a discipli- nar matéria respeitante ao regime dos direitos, liberdades e garantias, mais concretamente, matéria atinente ao direito à liberdade consagrado no referido artigo 27.º da Constituição. A validação judicial é instituída
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