TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

544 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL um edifício ou um acampamento. Haverá ainda privação da liberdade quando a pessoa detida puder deixar o estabelecimento prisional para trabalhar sob vigilância das autoridades prisionais. A mera limitação de liberdade ( Freiheitsbeschränkung ) existe quando alguém é impedido, contra a sua vontade, de aceder a um certo local que lhe seria jurídica e facticamente acessível ou de permanecer num certo espaço. A liberdade de movimentação não é, assim, em contraposição à privação da liberdade, subtraída, mas apenas limitada numa certa direção (cfr. Grundgesetz, Kommentar , § 104, 6 e 12). A privação da liberdade traduz-se numa perturbação do âmago do direito à liberdade física, à liberdade de alguém se movimentar e circular sem estar confinado a um determinado local, sendo a essência do direito atingida por um determinado tempo (que pode ser, aliás, de duração muito reduzida). A limitação ou restrição da liberdade (que não implique a sua privação) concretiza-se através de uma perturbação periférica daquele direito mantendo-se, no entanto, a possibilidade de exercício das faculdades fundamentais que o integram. […]” (…). Se é certo que os âmbitos dogmáticos de privação e de restrição e, acima de tudo, a delimitação da sua fron- teira in concreto não são unívocos (cfr., designadamente, as declarações de voto apostas ao Acórdão n.º 479/94), o certo é que o Tribunal tem regressado a esta jurisprudência (cfr., designadamente, os Acórdãos n. os  185/96, 83/01, 471/01, 204/15, 220/15, 228/15 e 463/16) e o Tribunal Constitucional Federal Alemão também não abandonou, no essencial, os traços gerais da apontada distinção [cfr., recentemente, o acórdão de 24/07/2018 (2 BvR 309/15 e 2 BvR 502/16), §67, bem como as citações ali indicadas: “2. a) O âmbito de proteção do artigo 2.º, n.º 2-2, da Lei Fundamental abrange tanto as medidas restritivas da liberdade ( freiheitsbeschränkende Maßnahme ) como as medidas privativas da liberdade ( freiheitsentziehende Maßnahme ); o Tribunal Constitucional distingue estas cate- gorias de medidas com base na intensidade da interferência [na liberdade]. Um ato constituirá uma restrição da liberdade se alguém for impedido por autoridade pública, contra a sua vontade, de se deslocar para um lugar ou de permanecer num lugar que, de outro modo seria – no plano de facto e no plano jurídico – de acesso livre para si. Um ato constituirá uma privação da liberdade, o modo mais severo de restrição da liberdade, se suprimir a liberdade de movimento – que exista, em termos gerais, nas concretas circunstâncias de facto e de direito – nas suas diversas vertentes. A privação da liberdade caracteriza-se pela particular intensidade da interferência, e ainda pela sua duração, que não deve ser meramente de curto prazo” –, ainda, o acórdão de 15/05/2002 (2 BvR 2292/00), §§ 24 e 25, ambos disponíveis em www.bundesverfassungsgericht.de/ ] . Está em causa, em suma, no artigo 27.º da Constituição, “[…] o direito à liberdade física, à possibilidade de movimentação sem constrangimentos. Tutela-se aqui, conforme tem sido consensualmente reconhecido, um aspeto parcelar e específico das diversas dimensões em que se manifesta a liberdade humana, o direito à liberdade física, entendida «como liberdade de movimentos corpóreos, de ‘ir e vir’, a liberdade ambulatória ou de locomo- ção» (cfr. Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 638) ou como «direito de não ser detido, aprisionado, ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar» (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 478). É este também o entendimento que, de forma reiterada, tem sido sustentado pelo Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 479/94, 663/98, 471/01, 71/10, 181/10 e 54/12)” (Acórdão n.º 204/15), incluindo “o direito de não ser apri- sionado ou fisicamente impedido ou constrangido por parte de outrem” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol . I, 4.ª edição, Coimbra, 2014, p. 479). Como explica José Lobo Moutinho, “[o] facto de a Constituição, e também a doutrina e a jurisprudência, fala- rem a propósito da liberdade física assim entendida, de liberdade  tout court (ou, como faz a Constituição italiana, de liberdade pessoal), sem outra adjetivação, é uma mera figura de estilo, explicável pelo facto de a liberdade física, como as suas restrições, enquanto justamente físicas, se mostrarem mais claramente apreensíveis e aparecerem como a forma mais direta de compressão da liberdade humana, pelo facto de, por elas, se limitarem indiretamente muitas outras expressões da liberdade – pelo que se pode dizer que a liberdade física as precede e condiciona (Vezio

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