TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
537 acórdão n.º 687/20 «O Estado português subordina-se à Constituição, dependendo a validade das leis e dos demais atos do Estado da sua conformidade à Constituição – artigo 3.º da CRP. Constitui tarefa fundamental do Estado, entre outras, garantir os direitos e liberdades fundamentais e o res- peito pelos princípios do Estado de direito democrático – art. 9.º/ b) da CRP. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – art. 18.º/2 da CRP. Todos têm direito à liberdade e à sua segurança e ninguém pode ser privado da liberdade a não ser em conse- quência de condenação judicial por violar a lei, estando apenas previsto o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente – artigo 27.º/1/2/3 da CRP. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Consti- tuição – art. 19.º/1 da CRP. O decretamento do estado de emergência, único mecanismo constitucional que permite a suspensão de direi- tos, liberdades e garantias, envolve três órgãos de soberania, a saber o Presidente da República que o convoca, a Assembleia da República que o aprova, e o Governo da República que o executa (cfr. artigo 17.º da Lei 44/86, de 30.09 (regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência). Em Portugal cessou o estado de emergência, estando por isso vedada a suspensão do direito à liberdade, com aquele fundamento. As restrições de direitos, liberdades e garantias constitucionais, previstas e admitidas no artigo 18.º/2 da CRP, e sujeitas aos princípios constitucionais da proporcionalidade, da necessidade e da adequação, constituem matéria da competência da reserva relativa de competência da Assembleia da República, pelo que apenas podem operar por lei da Assembleia da República, ou então por decreto lei do governo, dispondo este de lei de autorização legislativa do Parlamento, e não por normativos emanados dos órgãos próprios da Região Autónoma. Assim, da mesma forma que enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 18.º/2/3, 110.º, 112.º, n.º 2 e 4, 165/1/ b) , 225.º/3 e 227.º da CRP, os normativos legitimadores da quarentena obrigatória e o isolamento profilático, designadamente os pontos 1, al. b) , c) , 4, 5 da Resolução do Conselho do Governo n.º 207/2020, de 31 de julho de 2020, também o ponto 6 da mesma Resolução que cria procedimento de vali- dação judicial das mesmas quarentena e isolamento profilático, padece de inconstitucionalidade orgânica por violação dos mesmos normativos, por se tratar de matéria de competência reservada da Assembleia da República. E se assim é não valida o tribunal tal procedimento, indeferindo liminarmente o requerido. DECISÃO: Desaplico por inconstitucionalidade orgânica o ponto 6 da Resolução do Conselho do Governo n.º 207/2020, de 31 de julho de 2020 e em consequência, indefiro liminarmente o pedido de validação do decretamento de quarentena obrigatória de A. e do isolamento profilático de B., C. e de D., decretado pelo Delegado de Saúde de Lagoa.». 2. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade desta decisão, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) , da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, “LTC”), na parte em que desaplicou o n.º 6 da Resolução do Conselho do Governo n.º 207/2020, de 31 de julho de 2020, que cria um procedimento de validação judicial da quarentena e isolamento profilático, com fundamento em inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 18.º, n. os 2 e 3, 110.º, 112.º, n. os 2 e 4, 165.º, n.º 1, alínea b) , 225.º, n.º 3 e 227.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
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