TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
533 acórdão n.º 686/20 Já no caso de um participante processual que tenha sido obrigado, nos termos do artigo 135.º, n.º 3, [do CPP]a facultar informações com quebra do segredo profissional, a decisão de um eventual recurso para uniformização de jurisprudência não permite reverter a quebra do segredo: as informações protegidas pelo segredo profissional, uma vez fornecidas ou disponibilizadas no âmbito de um dado processo, pelas razões e para os fins previstos no citado artigo 135.º, n.º 3, pura e simplesmente deixaram de ficar protegidas por tal segredo e, na generalidade dos casos, terão sido utilizadas no âmbito do mesmo processo. Acresce que, tal como salientado pelo acórdão ora recorrido, a quebra do segredo corresponde a um inci- dente de um processo principal, não havendo coincidência entre os intervenientes no primeiro e os sujeitos processuais do segundo. Ou seja, mesmo admitindo, para facilidade de raciocínio, a recorribilidade da decisão que determina a quebra do sigilo, conforme pretende a ora recorrente em relação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de junho de 2018, a verdade é que a hipotética decisão de um recurso para fixação de juris- prudência, nos termos previstos no artigo 445.º, n.º 1, do CPP, destinada a dirimir um eventual conflito quanto à aludida recorribilidade, em nada alteraria a situação da ora recorrente relativamente à desproteção pelo segredo profissional das informações entretanto disponibilizadas no âmbito do processo principal. A utilização de tais informações nesse processo antecede necessariamente o momento em que a decisão do recurso para fixação de jurisprudência viesse a ser tomada. Nesse momento, aquela utilização já não pode ser revertida. Mais: nos termos da lei, a decisão daquele recurso só poderia ter efeitos imediatos no próprio incidente (cfr. o artigo 445.º, n.º 1, do CPP). Sendo certo que os efeitos da decisão do incidente de quebra do segredo profissional já se teriam esgotado na utilização das informações no âmbito do processo principal. Deste modo, a eventual interposição do recurso para fixação de jurisprudência pela entidade obrigada a segredo profissional que tenha decaído no incidente destinado a quebrá-lo não reveste para a mesma, ab ini- tio – e de modo necessário –, uma utilidade imediata, diferentemente do que sucede em relação aos sujeitos processuais no âmbito do processo principal. E esta conclusão explica racionalmente – e legitima à luz dos diferentes parâmetros constitucionais invo- cados pela ora recorrente – a solução consagrada no artigo 437.º, n.º 5, do CPP de não atribuir legitimidade recursória a tal entidade. Com efeito, no caso de um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, verifica-se que a respe- tiva decisão favorável ao recorrente que seja um mero participante processual em virtude de ter sido chamado a colaborar com a justiça fornecendo certas informações protegidas por segredo profissional, não tem – nem pode ter – para o mesmo uma utilidade imediata quanto à não disponibilização das informações. Estas foram prestadas, o que corresponde a uma situação irreversível. A decisão de quebra do segredo profissional, mesmo que viesse a ser revogada na sequência da decisão do recurso extraordinário, em nada alteraria a situação do recorrente quanto às informações já disponibilizadas. As informações que, por causa de estarem protegidas pelo segredo, não deviam ser conhecidas por terceiros, foram dadas a conhecer, e este facto não pode ser alterado por via do provimento de um recurso para fixação de jurisprudência. Em suma, a opção de não considerar a legitimidade da entidade sujeita a segredo profissional para interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência relativamente à questão da recorribilidade para o STJ da decisão do tribunal superior proferida em incidente de quebra do segredo profissional não se apresenta como desprovida de uma justificação material e razoável. Na verdade, a posição de um participante processual na situação da ora recorrente não é, pelo exposto, assimilável à dos sujeitos processuais referidos no artigo 437.º, n.º 5, do CPP. Daí que nada na Constituição imponha ao legislador a previsão da legitimidade recursória, tal como pretendido pela ora recorrente.
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