TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

532 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL judicial de atos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atuações materiais) que constituíssem a causa primeira e direta da afetação de tais direitos. Considerou-se, então, que quando a atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deveria ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação; mas quando a afetação do direito fundamental do cidadão tivesse tido origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atua- ção já tivesse sido objeto de controlo jurisdicional, então não seria em todos os casos constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão de controlo (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos n. os 44/08 e 197/09). Porém, esta é uma questão que, pela própria natureza do recurso para fixação de jurisprudência – e sobre a mesma basta recordar o que foi dito na decisão ora recorrida, no ponto 2.5, transcrito supra no ponto 5.2 –, não se coloca relativamente à norma ora sindicada. O problema poderia teoricamente suscitar-se, na perspetiva da tutela imediata de direitos fundamentais, com referência ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de junho de 2018, considerado irrecorrível pelo acórdão do STJ de 4 de abril de 2019. Aliás, isso mesmo parece ser reconhecido pela recorrente na conclusão OO das suas alegações. Mas, como referido, não é essa a questão relevante para apreciação da norma ora em análise. Nesta sede, o que importa apreciar é a razoabilidade e não arbitrariedade de limitar a legitimidade recur- sória aos sujeitos processuais – às entidades referidas no artigo 437.º, n.º 5, do CPP, ou seja, o arguido, o assistente, as partes civis e o Ministério Público –, excluindo os meros participantes processuais. Isto porque, como mencionado, o Tribunal Constitucional sempre tem entendido que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respetiva regulamentação não lhe é consentido adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discrimi- natórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. o Acórdão n.º 197/09). Como se referiu no Acórdão n.º 628/05, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legisla- dor ordinário de um grau de recurso, pois «tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. os 1229/96 e 462/03) […]». Ora, não há dúvida que a não previsão da legitimidade recursória de entidade sujeita a segredo profissio- nal para interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência relativamente à questão da recorribi- lidade para o STJ da decisão do tribunal superior proferida em incidente de quebra do segredo profissional, obedece a critérios de racionalidade que afastam a ideia de qualquer arbitrariedade ou desproporcionalidade. 8. Desde logo, e como salientado pela decisão recorrida, trata-se de um recurso de natureza extraordi- nária e de utilização excecional, primacialmente vocacionado para a boa aplicação futura do direito objetivo (daí também a legitimidade, por assim dizer, “natural” do Ministério Público – aliás, para este, o recurso em apreço é obrigatório). A sua função não é, em primeira linha, a boa decisão do “caso concreto”. Este último, quando é interposto o recurso para fixação de jurisprudência, já foi objeto de decisão transitada em julgado (cfr. o artigo 438.º, n.º 1, do CPP). Compreende-se, por isso – e neste contexto –, a instrumentalidade do interesse do recorrente, sem prejuízo de a legitimidade recursória que lhe é reconhecida representar (mais) uma oportunidade de fazer prevalecer a justiça material no respetivo caso (cfr., de novo, a análise feita no ponto 2.5 do acórdão ora recorrido e o artigo 445.º, n.º 1, do CPP). Por outro lado, o recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo (artigo 438.º, n.º 3, do CPP). Significa isto que a utilidade subjetiva (e subordinada à função objetiva) do recurso só existe desde que a decisão recorrida, já transitada, possa ser modificada num sentido favorável aos interesses de algum dos sujeitos processuais, nomeadamente daquele que tenha impulsionado o recurso em causa. É o que sucede tipicamente com os sujeitos processuais mencionados no artigo 437.º, n.º 5, do CPP.

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