TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
531 acórdão n.º 686/20 Como se referiu, designadamente, no Acórdão n.º 202/99, o direito que o artigo 20.º, n.º 1, da Constituição a todos assegura de “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” consiste no “direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista (designadamente sem que a insuficiência de meios económicos possa prejudicar tal possibilidade)”. Da previsão constitucional decorre ainda que a tutela jurisdicional dos direitos e interesses legalmente protegidos deve ser efetuada “mediante processo equitativo” e cujos procedimentos possibi- litem uma “decisão em prazo razoável” e sejam “caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (n. os 4 e 5 do referido artigo 20.º da CRP). A exigência de um duplo grau de jurisdição apenas está expressamente consagrada no âmbito do processo penal e relativamente a decisões condenatórias ou que afetem a liberdade do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da CRP). Para além disso, esse direito é considerado por alguma doutrina e jurisprudência, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, como inerente à proteção contra decisões jurisdicionais que imponham restrições a direitos, liberdades e garantias pessoais. Fora desses domínios específicos, o legislador ordinário goza de ampla margem de conformação do direito ao recurso, podendo regular diversamente a possibilidade e o modo de impugnação das decisões jurisdicionais. Refere Lopes do Rego: “fora do âmbito processual penal, vem sendo uniformemente entendido pela jurisprudência constitucional que a garantia de um duplo grau de jurisdição não goza de proteção generalizada, não se podendo, nomeadamente, considerar incluída no direito de acesso aos tribunais – e gozando, consequentemente, o legislador infraconstitucional de uma ampla margem de discricionariedade legislativa” ( Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, 2007, p. 853). Contudo, da não consagração de um direito ao duplo grau de jurisdição em processo civil não decorre que o legislador possa proceder arbitrariamente à regulação dos meios de impugnação das decisões judiciais. Para além da supressão ou inviabilização global da faculdade de recurso – limite que decorre da própria previsão constitucional de tribunais superiores –, as restrições ao direito ao recurso estão sujeitas aos princípios estruturantes do Estado de direito democrático e, de um modo especial, aos princípios da igualdade e da proporcionalidade, ambos invocados como violados pelos recorrentes. No que respeita ao primeiro, é entendimento abundante e reiterado deste Tribunal que o princípio da igual- dade não proíbe ao legislador que faça distinções, mas apenas diferenciações de tratamento sem qualquer fun- damento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional (cfr., por exemplo, os Acórdãos n. os 319/00 e 460/11 e, entre outros autores, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , p. 339); avaliação que se obtém mediante a ponderação da ratio das soluções em confronto e aferição destinada a determinar se a diferenciação pos- sui fundamento razoável. Neste domínio, o Tribunal Constitucional controla sobretudo o respeito pela proibição do arbítrio, enquanto critério negativo e limitador da liberdade do legislador ordinário. Desta forma, como se afirmou no Acórdão n.º 202/99, a ampla margem de discricionariedade na concreta con- formação e delimitação dos pressupostos de admissibilidade e do regime dos recursos que deve ser reconhecida ao legislador ordinário em processo civil tem como “limite a não consagração de regimes arbitrários, discriminatórios ou sem fundamento material bastante, em obediência ao princípio da igualdade”. Para além disso, tem de ser respeitado o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limi- tação do poder público, decorrente do próprio princípio geral do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição). Impõem-se, na realidade, limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas eleitas para a sua prossecução, devendo o legislador ajustar a sua projetada ação de modo a não conformar medidas desadequadas, desnecessárias ou excessivamente restritivas.» No Acórdão n.º 40/08, com efeito, que, para além dos casos que relevam do direito de defesa do arguido em processo penal, seria também sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tri- bunais contra quaisquer atos lesivos dos direitos dos cidadãos ( maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses atos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, se garantisse o direito à impugnação
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