TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

530 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A questão de constitucionalidade ora em análise pode, assim, reconduzir-se a saber se a Constitui- ção impõe a previsão legal da possibilidade de interposição de recurso para fixação de jurisprudência para alguém, que, sendo apenas participante processual num dado processo criminal por ter sido obrigado a prestar determinadas informações nos termos do artigo 135.º, n.º 3, do CPP, se considera prejudicado com decisões proferidas no âmbito do mesmo – como sucedeu in casu com a CMVM relativamente aos acórdãos proferidos no processo de quebra de segredo profissional, nomeadamente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de junho de 2018 (cfr. a conclusão FFFFFF das alegações), e o acórdão do STJ de 4 de abril de 2019(cfr. ibidem , a conclusão HHHHHH). Esta impostação do problema corresponde aos dados da questão de constitucionalidade indicados pela própria recorrente nas conclusões das suas alegações de recurso: «IIIII. Inconformada com a decisão proferida através do Acórdão do STJ de 04.04.2019, na qual a CMVM assumiu a qualidade de recorrente, e o Ministério Público de recorrido, a CMVM interpôs recurso extraordinário de fixação para jurisprudência, nos termos do disposto nos artigos 437.º e 438.º do CPP. JJJJJJ. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência foi interposto pela CMVM também no âmbito do incidente de quebra de segredo profissional e destinava-se a obter fixação de jurisprudência pelo STJ quanto à questão da recorribilidade da decisão de quebra do segredo profissional proferida pelo Tribunal da Relação ao abrigo do artigo 135.º do CPP, por se verificar oposição de julgados do STJ nessa matéria. KKKKKK. Ora, do ponto de vista sistemático não se justifica admitir-se a legitimidade da CMVM, na qualidade de requerida no âmbito do incidente de quebra de segredo profissional para interpor recurso ordinário da deci- são do Tribunal da Relação que determinou a quebra do segredo profissional [nos termos do artigo 401.º, n.º 1, alínea d) , do CPP] e interpretar o artigo n.º 5 do artigo 437.º do CPP no sentido de negar-se à CMVM a legitimidade para interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência quando (i) a questão juris- prudencial a dirimir era justamente a da recorribilidade da decisão de quebra do segredo profissional profe- rida pelo Tribunal da Relação ao abrigo do artigo 135.º do CPP e (ii) nos termos do artigo 445.º, n.º 1, do CPP, “a decisão que resolver o conflito tem eficácia no processo em que o recurso foi interposto”. LLLLLL. Na verdade, a norma constante do artigo 437.º, n.º 5, do CPP foi pensada apenas para os sujeitos processuais no âmbito do próprio processo penal (autos principais), ou seja, o Ministério Público, o arguido, as partes civis e o assistente, e não especificamente para o incidente de quebra de segredo profissional (nomeadamente, porque nunca poderá ter como requerido nem o próprio arguido, nem o Ministério Público, mas necessaria- mente um terceiro!). MMMMMM. Atenta a incompletude de previsão verificada no n.º 5 do artigo 437.º do CPP, quanto aos sujeitos processuais do incidente de quebra do segredo profissional, previsto no artigo 135.º do CPP, o intérprete/aplicador – agarrando-se exclusivamente à letra da lei como elemento interpretativo – não pode concluir pela falta de legitimidade do requerido no âmbito do incidente de quebra de segredo profissional para interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. NNNNNN. Ou seja, se no regime do n.º 5 do artigo 437.º do CPP inexiste uma intenção reguladora específica quanto aos sujeitos processuais do incidente de quebra do segredo profissional, previsto no artigo 135.º do CPP, nunca poderia a teleologia imanente à lei ser a de sustentar a falta de legitimidade do requerido e recorrente naquele incidente, in casu , a CMVM.» 7. É conhecida a jurisprudência deste Tribunal sobre o direito ao recurso jurisdicional. Seguindo a síntese feita no Acórdão n.º 396/14 (acessível, assim como os demais adiante referidos, a partir da ligação https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ), é de reiterar : «[N] não resulta da Constituição, em termos genéricos, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no artigo 20.º da Constituição (cfr., por todos, os Acórdãos n. os 44/08 e 339/11 […].

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