TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
53 acórdão n.º 475/20 ou instrumentos – apresentam uma conexão material e temporal, excluindo do seu âmbito as garantias cons- tituídas em simultâneo com contratos especialmente tributados na tabela. O legislador estabeleceu, deste modo, um desagravamento fiscal que apresenta as características próprias de uma situação de não sujeição tributária (ou de um desagravamento fiscal em sentido estrito), e não de um benefício fiscal (vide o artigo 2.º e o n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais). Com efeito, enquanto os benefícios fiscais configuram regimes excecionais, em que a prossecução de certos interesses públicos de índole extrafiscal pode justificar que se reserve um tratamento desigual a idên- ticas manifestações de capacidade contributiva; as disposições que tipificam situações de não sujeição tribu- tária caracterizam-se por deter um caráter estrutural e tendencialmente congruente com o regime-regra de tributação, já que obedecem a razões de «natureza intrinsecamente fiscal» (a expressão é de Saldanha Sanches, J. L., in Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 452 – a este respeito, vide, entre outros, os Acórdãos n. os 188/03, 855/14, 717/17 e 309/18). Não se vê que a exclusão das garantias materialmente acessórias de contratos especialmente tributados na tabela prossiga qualquer finalidade de natureza extrafiscal, antes visando evitar que o obrigado à prestação da garantia, que é o titular do interesse económico visado [cfr. a alínea e) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS], se veja obrigado a suportar a acumulação dos encargos com o imposto do selo exigido por operações subs- tancialmente conexas. Seja como for, encontramo-nos sempre no domínio reservado pela Constituição ao legislador democrático, ao qual compete «determina[r] a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes», tal como prescrito no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição. Assim, a validade da norma em apreço pode ser aferida à luz do princípio da tipicidade, tanto na medida em que seleciona e descreve os factos geradores do imposto, como na medida em que delimita negativamente a sua incidência objetiva. É o que cumpre apreciar de seguida. 12. No que respeita à violação do princípio da tipicidade, a questão de constitucionalidade suscitada parece cingir-se, prima facie , à referência genérica constante da verba 10 às «garantias das obrigações, qual- quer que seja a sua natureza ou forma» – a qual, segundo a recorrente, não permite antecipar que o imposto incidirá sobre aquelas garantias que sejam dadas em substituição das anteriormente constituídas, entretanto perecidas. Ora, a redação da verba 10 da TGIS não esconde, como referem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Mar- tins, «o propósito de estabelecer uma norma de incidência de “tipo aberto”, incidindo o imposto sobre quais- quer contratos que representem em substância garantias das obrigações, independentemente de o contrato em causa constituir ou não um contrato tipificado.» Fundamental é garantir, como ressalvam os mesmos autores, que «o estabelecimento do tipo aberto não prejudica a aplicação cabal do princípio da legalidade para efeitos fiscais, pelo que apenas se podem subsumir na norma realidades que, mesmo não constando da enumeração exemplificativa da verba, representem em substância garantias das obrigações.» (in Imposto do Selo – Operações financeiras e de garantia, Almedina, Coimbra, 2019, p.100). A verba 10 vem sendo interpretada, em articulação com o artigo 1.º, n.º 1, do CIS, no sentido de se apli- car apenas às garantias especiais das obrigações (cfr. os artigos 623.º e seguintes do Código Civil), que sejam constituídas «por negócio jurídico, ainda que unilateral», qualquer que seja a forma que revistam (vide Santiago, Bruno, op. e loc. cit., pp. 122-126). Ainda que aqueles preceitos mobilizem conceitos amplos ou indetermi- nados, mostra-se possível, em face do seu teor verbal, antecipar que o imposto incidirá sobre as garantias das obrigações a que a verba 10 se refere e a todos os instrumentos jurídicos que cumpram idêntica função, desde que para ela concorra de algum modo a «vontade do titular do bem» (Bruno Santiago, ibidem , p. 123). A disposição não faz, é certo, qualquer referência, nem estabelece qualquer diferenciação, entre as várias motivações ou vicissitudes – sejam relacionadas com as garantias ou com as obrigações garantidas – que podem estar na origem dos factos potencialmente abrangidos pela verba 10. Mas tanto bastará para afirmar, como defende a recorrente, que a disposição legal em apreço não se encontra formulada de modo a permitir
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