TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

529 acórdão n.º 686/20 daí decorrentes para a legitimidade da sua interposição. Corolário disso mesmo é a relevância atribuída à caracterização da posição da CMVM no processo de quebra do segredo profissional regulado no artigo 135.º do CPP e que se encontra na base do recurso por ela interposto: a CMVM é mero participante processual, e não um sujeito processual (cfr. na decisão recorrida, os pontos 2.6.1 e 2.6.3, este último acima transcrito). De resto, a própria recorrente reconhece expressamente que foi esse o entendimento essencial do acór- dão ora recorrido – ou seja, a negação da legitimidade ad recursum da CMVM em virtude de a mesma não integrar qualquer uma das categorias de recorrentes previstos no artigo 437.º, n.º 5, do CPP –, defendendo que a interpretação deveria ter sido outra (cfr., respetivamente, as conclusões BBBBBB e DDDDDD das suas alegações). É certo que a recorrente, para justificar a bondade da interpretação alternativa que preconiza – em seu entender, a única que seria compatível com a Constituição –, também procura autonomizar o incidente de quebra de segredo profissional do processo principal a que o mesmo incidente respeita, de modo a justificar o seu interesse em agir e a sua qualidade de sujeito processual nesse mesmo incidente, com um interesse próprio contraposto ao do Ministério Público (cfr., por exemplo, as conclusões EEEEEEE, PPPPPPP e UUUUUUU das suas alegações). Aliás, esse é precisamente um dos pressupostos que a decisão ora recorrida reconhece estarem subjacentes à posição da CMVM e que analisa criticamente:  «2.6.1 – O [pressuposto] de que no incidente de levantamento/quebra do segredo profissional são parte dois sujeitos processuais. Seguindo o entendimento do Prof. Figueiredo Dias são meros participantes processuais aqueles que “praticam atos singulares, cujo conteúdo processual se esgota na própria atividade” e sujeitos processuais os titulares de “direi- tos (que surgem, muitas vezes, sob a forma de poderes-deveres ou de ofícios de direito público) autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da decisão final”. Nesta categoria inclui o mesmo professor o tribunal, o ministério público, o arguido, o assistente e o defensor [3]. A questão da quebra do segredo profissional coloca-se quando se verifique escusa para depor sobre factos por ele abrangidos (art.º 135.º, n.º 1 do CPP). Sendo a escusa legítima, conforme escreve Santos Cabral, “dois caminhos estão abertos à autoridade judiciária: ou se conforma com a invocação do segredo, não podendo insistir na obtenção do depoimento, ou então suscita o incidente de quebra de segredo junto do tribunal imediatamente superior” [4]. Daqui se conclui desde logo que a quebra de segredo está sujeita a dupla apreciação: uma apreciação prévia por parte da autoridade que suscita o incidente, o que pressupõe o reconhecimento da necessidade de quebra do dever de sigilo, e uma apreciação subsequente por parte do tribunal imediatamente superior. Ou seja, por via da disciplina do art.º 135.º alcança-se de forma célere fim idêntico ao que seria alcançado por via de recurso, não se podendo considerar que o superior decide em primeira instância uma vez que a sua intervenção é subsequente a uma decisão prévia, tomada em instância inferior, tendo o mesmo objeto. Como escreve Santos Cabral em anotação ao art.º 135.º do CPP (obra citada p. 498) o regime geral do CPP para quebra do segredo profissional passa “(…) pela via da intervenção dos tribunais superiores para decidir em concreto, como instância única, o conflito entre os interesses subjacentes ao segredo bancário e os interesses pros- seguidos pelo processo penal, tendo em conta, nomeadamente, a imprescindibilidade da informação para a desco- berta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos”. No incidente de quebra do segredo profissional a entidade vinculada ao segredo não é sujeito processual. O único direito que lhe assiste é o de recusa por via da invocação do dever de sigilo. Quando a questão é colocada ao tribunal superior não tem que ser ouvida até porque no decurso do inquérito o processo não tem natureza adver- sarial. A determinação das diligências necessárias no decurso do inquérito é competência exclusiva das entidades incumbidas da sua realização. A audição do organismo representativo da profissão, obviamente quando ele exista, tem índole meramente consultiva, não tendo também esse organismo legitimidade para recorrer de decisão con- trária ao parecer que tenha proferido. Concluindo, a CMVM é mero participante processual.»

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