TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
528 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tem a recorrente razão porque as únicas normas especificamente pensadas para o incidente de levantamento do segredo profissional foram as dos artigos 135.º e 136.º do CPP. A norma do n.º 5 do art.º 437.º do CPP foi pensada especificamente, isso sim, para o recurso de fixação de jurisprudência ainda que, mesmo que o legislador nada tivesse previsto em sede de legitimidade, a solução não pudesse ser diferente.» Ou seja, a lógica argumentativa da decisão recorrida tem subjacente a apreciação da legitimidade da recorrente para a interposição do recurso então em análise – isto é, o recurso para uniformização de juris- prudência previsto nos artigos 437.º e 438.º do CPP; não as normas dos artigos 135.º, n. os 3 e 4, do CPP, objeto da questão de constitucionalidade ora em análise. É isso que transparece na conclusão da respetiva fundamentação e no seu dispositivo: «Pelo exposto entende-se que a CMVM carece de legitimidade para interpor recurso de fixação de jurisprudên- cia, o que prejudica o conhecimento de todas as demais questões. III – Decisão Nestes termos acordam os juízes da 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar, com fundamento em ilegitimidade da recorrente, o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.» Assim, é manifesto que a decisão recorrida não aplicou, enquanto ratio decidendi da sua pronúncia, qualquer interpretação extraída dos artigos 135.º, n. os 3 e 4, do CPP [conjugado com os artigos 399.º e 432.º, n.º 1, alínea a) , do mesmo Código], seja no sentido de que a entidade sujeita a segredo profissional não dotada de organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa não ter direito ao contraditório antes de ser proferida decisão pelo tribunal superior sobre a quebra do segredo profissional – questão que é perfeitamente alheia à que foi apreciada –, quer no sentido de que tal entidade não tem direito a recorrer da decisão proferida pelo tribunal superior que determina a quebra do segredo profissional – questão esta que não constituiu, conforme referido, o problema efetivamente apreciado e decidido pelo tribunal a quo. Ora, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucio- nalidade face ao processo-base, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo constitua a ratio decidendi da decisão recorrida, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar a sua reforma (cfr. o artigo 80.º, n.º 2, da LTC). Todavia, não é isso que se verifica in casu , o que impede o conhecimento do objeto do recurso quanto a esta questão. B) Do mérito do recurso 6. A terceira questão de constitucionalidade respeita à «interpretação das normas contidas no artigo 437.º, n.º 5, do Código de Processo Penal no sentido de que no âmbito do incidente de quebra do segredo profissional a entidade sujeita a segredo profissional (requerida) não tem legitimidade para interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência relativamente à questão da recorribilidade para o STJ da decisão do tribunal superior proferida em incidente de quebra do segredo profissional», interpretação essa que, segundo a recor- rente, foi aplicada no acórdão do STJ de 16 de janeiro de 2020 e é incompatível com o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e com a reserva de lei restritiva. [cfr. a alínea c) do ponto 3, supra ]. Conforme decorre da análise desse acórdão levada a cabo no ponto anterior, o tribunal recorrido, sem prejuízo de dar conta das circunstâncias em que a CMVM se apresentou a interpor um recurso extraordi- nário para fixação de jurisprudência, centrou-se na natureza específica deste recurso e nas consequências
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