TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

527 acórdão n.º 686/20 Após análise da posição sustentada pela CMVM, e considerando que a mesma assenta «num conjunto de pressupostos» que «não estão corretos» (vide os pontos 2.2 e 2.3 e a análise desenvolvida nos diversos subpontos do ponto 2.6), o tribunal a quo salienta as especificidades do recurso para fixação de jurisprudên- cia (vide o ponto 2.5): «Importa […] ter presente a clareza com que o n.º 5 do art.º 437.º do CPP coloca a questão da legitimidade para a interposição deste recurso: “O recurso previsto nos n. os 1e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público”. Dificilmente se poderia encontrar domínio menos adequado para argumentar em favor de uma tese expansiva da legitimidade do que no recurso para a fixação de jurisprudência, não apenas pela natureza excecional das normas que o regulam mas também porque a legitimidade de outros sujeitos para além do Ministério Público assenta em critérios de natureza utilitária. Como já se escreveu em outro acórdão subscrito pelo mesmo relator [Processo n.º 68/13.0TATVD.L2-A.S1.] “O recurso de fixação de jurisprudência não tem por objetivo dirimir qualquer litígio em concreto, consistindo a sua única razão de ser no interesse de na medida do possível alcançar a unidade do direito através da unificação da jurisprudência. No decurso dos trabalhos preparatórios do CPC de 1929 chegou a ponderar-se a possibilidade de a decisão do recurso não produzir efeitos no caso concreto, opção que foi afastada por se ter entendido que sem o estímulo do interesse da parte vencida o recurso não funcionaria [2]. No entanto esse interesse é aqui meramente instrumental e subordinado ao verdadeiro propósito deste recurso extraordinário que é, não tanto a solução última para o caso que em concreto é submetido à apreciação do STJ, mas o tratamento a dar para futuro a situações idênticas que se coloquem perante os tribunais, no que concerne à interpretação de uma norma. Há ainda que salientar a natureza extraordinária do recurso. Os recursos extraordinários não existem pela sua bondade intrínseca mas pela sua utilidade. Os recursos de fixação de jurisprudência interferem nos poderes de decisão do juiz, titular de um órgão de soberania independente e apenas sujeito à lei, mas são úteis pelo contributo para a unidade de decisão e conse- quente igualdade dos cidadãos perante a lei. O recurso de revisão atenta contra a intangibilidade do caso julgado mas é necessário para, em situações legal- mente determinadas, fazer prevalecer a justiça material. Em todo o caso estamos perante recursos extraordinários, as normas que os regulam são consideradas de natu- reza excecional e, um alargamento do âmbito da sua aplicação ou das condições da sua admissibilidade facilmente conduziria em que na prática assumissem feição semelhante à dos recursos ordinários, subvertendo a respetiva natureza e criando mais problemas do que os que visam selecionar. Com efeito, não sendo a jurisprudência fixada obrigatória para os tribunais judiciais, embora estes devam fundamentar as divergências quando a não acatem (art.º 445.º, n.º 3 do CPP), uma proliferação de decisões unificadoras banalizaria o recurso, avolumaria o risco de divergência com a jurisprudência fixada e poderia mesmo pôr em causa a valia desta solução recursória e até o prestígio do STJ”.» Seguidamente, o tribunal aprecia os argumentos da CMVM relativamente à sua legitimidade recursória, afirmando no que ora releva: «2.6.3 – [O que decorre do artigo 437.º, n.º 5, do CPP] é que a CMVM não tem legitimidade para recorrer, não explicando a recorrente por que via, das que se encontram previstas no código civil em matéria de interpretação e integração das leis, chegou à conclusão contrária, que designa por “devida interpretação”. Limita-se a CMVM a invocar legitimidade para recorrer nos termos do disposto no artigo 401.º, n.º 1, alínea d) , do CPP ex vi do artigo 448.º do CPP, uma vez que a norma do artigo 437.º, n.º 5, do CPP não foi pensada especificamente para o incidente de levantamento de segredo profissional.

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