TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
526 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Não lhe assiste, contudo, razão. 5.1. O recurso de constitucionalidade tem um carácter instrumental em relação à decisão recorrida, pelo que a sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, «é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil» (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade” in Estudos em Home- nagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, pp. 947 e seguintes, p. 958). Assim, prossegue o mesmo Autor (vide ibidem , pp. 958-959), «[O] recurso de constitucionalidade apresenta-se como um recurso instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se reveste de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercu- tir no julgamento daquela decisão (cfr. TC 768/93, TC 769/93, TC 162/98; TC 556/98; TC 692/99). Expressando a mesma orientação noutras formulações, o Tribunal Constitucional afirmou que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, pelo que só devem ser conhecidas questões de cons- titucionalidade suscitadas durante o processo quando a decisão a proferir possa influir utilmente na decisão da questão de mérito em termos de o tribunal recorrido poder ser confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento (TC 60/97), e concluiu que o recurso de constitucionalidade possui uma natureza instrumental, traduzida no facto de ele visar sempre a satisfação de um interesse concreto, pelo que ele não pode traduzir-se na resolução de simples questões académicas (TC 234/91, […]; TC 167/92).» Por isso, o objeto do recurso de constitucionalidade deve coincidir com a ratio decidendi da decisão recorrida. A utilidade do recurso de constitucionalidade encontra-se liminarmente afastada quando, desig- nadamente, o critério normativo sindicado não coincide com o que foi aplicado pelo tribunal a quo. Em consonância, o Tribunal Constitucional tem os seus poderes de cognição em fiscalização concreta da cons- titucionalidade limitados à norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação (cfr. o artigo 79.º-C da LTC). 5.2. Conforme referido, com a segunda questão ora em análise, a recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da «interpretação das normas contidas no artigo 135.º, n. os 3 e 4, do Código de Processo Penal (conjugado com os artigos 399.º e 432.º, n.º 1, alínea a) , do Código de Processo Penal), no sentido de que a entidade sujeita a segredo profissional não dotada de organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa não tem direito ao contraditório antes de ser proferida decisão pelo tribunal superior sobre a quebra do segredo profissional e não tem direito a recorrer da decisão proferida pelo tribunal superior que determina a quebra do segredo profissional», que, segundo alega, foi aplicada no mencionado acórdão de 16 de janeiro de 2020 (cfr. ECLI:PT:STJ:2020.5837.16.6T9LSB.A.L1. S1.A, acessível a partir da ligação https://jurisprudencia.csm.org.pt/ ). In casu , não se pode conhecer do mérito do recurso quanto a esta questão, atenta a sua inutilidade, já que o tribunal recorrido não aplicou, na decisão recorrida, os referidos preceitos na interpretação questionada. Com efeito, no aresto recorrido, o STJ apreciou, como questão prévia, face ao preceituado no n.º 5 do artigo 437.º do CPP, o problema «da verificação do pressuposto da legitimidade da recorrente» (cfr. o ponto 2.1. do acórdão recorrido): «Nos termos do n.º 5 do art.º 437.º do CPP (Fundamento do recurso): [segue transcrição integral do artigo 437.º do CPP] Face ao disposto no mencionado artigo e designadamente o preceituado no seu n.º 5, passaremos de imediato a apreciar da verificação do pressuposto da legitimidade da recorrente, questão que de resto é suscitada pelo Minis- tério Público e cuja decisão pode ser prejudicial do conhecimento do recurso.»
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