TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
498 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, uma vez que o presente recurso, interposto na parte que ora releva ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não tem como objeto os preceitos legais em si mesmos considerados, mas uma dada interpretação normativa deles extraída (cfr. o ponto 9., supra ), a qual diz respeito apenas às consequências da falta, nas conclusões, das menções exigida nos aludidos preceitos – não estando em causa, diretamente, tais menções em si mesmas consideradas ou o modo como devem ser efetuadas –, conclui-se que os segmentos que foram objeto de alteração não assumem relevância no que respeita a tal dimensão normativa. Nessa medida, deve entender-se que, para que se mostre verificado o requisito de que depende a aber- tura da via de recurso da referida alínea g) , é suficiente a existência de coincidência entre a interpretação normativa questionada – posto que a mesma tenha sido efetivamente aplicada pelo tribunal a quo – e a inter- pretação normativa anteriormente julgada inconstitucional. Não deverá, assim, ser considerada impeditiva da existência de tal relação de identidade a circunstância de os preceitos legais a que se reporta a dimensão normativa sindicada terem sofrido uma alteração da redação entre o momento em que ocorreu o precedente julgamento de inconstitucionalidade e aquele em que se verificou a aplicação de tal dimensão normativa na decisão objeto de recurso para o Tribunal Constitucional, desde que tal alteração não seja relevante, em face da dimensão normativa questionada (vide, a este respeito, Lopes do Rego, O s Recursos de Fiscalização Con- creta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 148). De resto, este é o entendimento mais consentâneo com uma defesa material – e não meramente forma- lista – da Constituição pelos tribunais em geral (cfr. os artigos 204.º e 277.º, n.º 1, da Constituição) e com a atribuição específica do Tribunal Constitucional, enquanto última instância no domínio da administração da justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, mormente em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade (cfr. os artigos 221.º e 280.º, n. os 1 e 6, ambos da Constituição). Acresce que o mesmo entendimento, além de em nada comprometer o funcionamento e harmonia da justiça constitucional holis- ticamente considerada – isto é, na articulação entre os tribunais comuns e o Tribunal Constitucional – e muito menos contribuir para a «criação de uma insuportável entropia jurídico-constitucional», aliás não concretizada (cfr. a conclusão 79 das contra-alegações), não só maximiza a realização do fim subjacente à consagração da via recursória prevista no artigo 70.º, n.º 1, da LTC, como contribui para o reforço da efetivi- dade da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais dos cidadãos (cfr. o artigo 20, n.º 5, da Constituição). 12. Importa, pois, analisar se, no caso dos autos, a interpretação normativa objeto deste recurso foi efetivamente aplicada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida. Analisada tal decisão, não resulta da mesma, de forma expressa, a adoção do critério normativo objeto do presente recurso e que veio a ser julgado desconforme com a Constituição na aludida jurisprudência. Contudo, para este efeito, tanto releva «a expressa aplicação da norma já anteriormente julgada ou declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional – e patente face ao enunciado verbal da sentença – como uma aplicação implícita, em que o tribunal a quo acaba, em termos substanciais (e analisada a estrutura lógico-ju- rídica da solução dada ao litígio), por fazer inelutavelmente apelo ao regime jurídico consagrado na norma já inconstitucionalizada – não respeitando ou não tendo em conta o sentido e alcance do anterior juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional» (vide Lopes do Rego, ob. cit. , p. 149). O tribunal recorrido, no acórdão de 25 de junho de 2019, a respeito da impugnação da decisão no que respeita à matéria de facto, refere o seguinte: «A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto exige ao recorrente a especificação dos artigos ou pontos da matéria de facto que considera incorretamente apreciados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, as provas que devem ser renovadas – art.º 412.º n.º 3 do CPP. Constitui entendimento pacífico e constante da jurisprudência dos tribunais superiores que a referência aos suportes técnicos a que se refere o n.º 4 do art.º 412.º implica a expressa indicação dos específicos pontos da gra- vação correspondentes aos depoimentos erradamente valorados pelo tribunal de 1.ª instância e que reclamavam decisão diversa quanto à matéria de facto, não sendo admissível a indicação genérica da gravação desse depoimento.
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