TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
476 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, a norma do n.º 1 do artigo 257.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, revela um tal grau de indeterminação na definição da conduta contraordenacional que não satisfaz as exigências dos princípios do Estado de direito demo- crático, da segurança jurídica e da confiança, pelo é inconstitucional, por violação do artigo 2.º da Constituição.» 10. Trata-se de argumentação cogente, que merece adesão integral. A única questão que resta considerar é a de saber se as razões em que se fundou o juízo de inconstitucio- nalidade no Acórdão n.º 76/16 se estendem, sem reservas significativas, ao caso vertente. Há duas diferenças aparentes entre as normas, para além do facto − manifestamente irrelevante – de estar agora em causa, não a violação do dever de comunicação do acidente à ACT, mas de suspensão dos trabalhos. A primeira diferença – referida nas alegações do Ministério Público – prende-se com o facto de a norma anteriormente julgada inconstitucional, constante do diploma que aprovou a regulamentação do Código do Trabalho, ser de âmbito de aplicação genérico ao trabalho subordinado, ao passo que a norma sindicada nos presentes autos se insere no regime das prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho a aplicar nas indústrias extrativas por perfuração a céu aberto ou subterrâneas. O facto de um enunciado normativo ter um âmbito de aplicação relativamente restrito pode ser pertinente, do ponto de vista da sua determinabili- dade, se a atividade a que diga respeito constituir um contexto que concorre de modo decisivo para a deter- minação do respetivo sentido. Trata-se da distinção linguística entre significado semântico e pragmático: aquele diz respeito ao significado convencional das expressões, ou seja, o que resulta das convenções lexicais e gramaticais de uma determinada língua; este é relativo ao significado contextual das expressões, ou seja, o que resulta do seu uso num determinado contexto comunicativo. Uma expressão indeterminada no plano semântico – pela insuficiência dos parâmetros lexicais e gramaticais para determinar o seu sentido – pode ser perfeitamente determinada no plano pragmático. Apesar de a expressão «o suspeito dirige-se para o banco» poder referir-se tanto a um banco de jardim como a uma agência bancária, refere-se claramente a um banco de jardim no contexto de uma ação encoberta de investigação de tráfico de estupefacientes que tem lugar num parque. Ora, o recorrente parece entender que a expressão «acidente que evidencie uma situação parti- cularmente grave» tem um significado decisivamente mais determinado no contexto das atividades extrativas por perfuração a céu aberto ou subterrâneas do que no âmbito genérico do trabalho subordinado. A verdade, porém, é que não dá nenhum dado concreto para fundamentar tal afirmação, para além de alusões genéricas às categorias da «experiência comum», dos «conhecimentos científicos e técnicos do ramo» e da «ponderação dos riscos próprios da atividade». Não havendo nenhuma evidência de que a expressão «situação particular- mente grave» é pragmaticamente determinada no seu contexto aplicativo, em termos que se possam conside- rar satisfatórios do ponto de vista da exigência de tipicidade no direito contraordenacional, o argumento de que há aqui uma diferença decisiva entre a norma anteriormente julgada inconstitucional e a sindicada nos presentes autos não pode ser acolhido. A segunda diferença – igualmente mencionada nas alegações – respeita à circunstância de o diploma em que se insere a norma sob apreciação transpor para o direito interno as Diretivas 92/91/CEE, de 3 de novembro, do Conselho e 92/104/CEE, de 3 de dezembro, do Conselho, relativas às prescrições mínimas de saúde e segurança a aplicar nas indústrias extrativas por perfuração a céu aberto ou subterrâneas. Em rigor, e porque a atividade da entidade empregadora nos presentes autos é de extração subterrânea, trata-se aqui apenas do segundo dos referidos instrumentos de direito da UE, relativo às indústrias extrativas a céu aberto ou subterrâneas (artigo 1.º, n.º 1). Em alguns passos das alegações (vide o ponto 28.º), parece o Ministério Público sugerir que a norma sindicada nos presentes autos se limita, no essencial, a reproduzir o que consta da Diretiva, caso em que o juízo de inconstitucionalidade sobre a mesma remeteria para a questão da relevân- cia constitucional do princípio do primado do direito da UE, matéria sobre a qual incidiu o recente Acórdão n.º 422/20. Percorrendo as várias disposições da Diretiva, porém, não só se torna evidente que a mesma não faz qualquer referência a um dever de suspensão dos trabalhos em caso de acidente, como ainda que, mesmo no que diz respeito ao dever de comunicação de acidentes de trabalho «graves e/ou mortais» − constante do n.º 4 do artigo 3.º −, não estabelece nenhum dever de sancionamento contraordenacional do respetivo
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