TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
473 acórdão n.º 659/20 grau admissível de indeterminação ou flexibilidade normativa em matéria de ilícitos penais, «uma relativa indeter- minação dos tipos legais pode mostrar-se justificada, sem que isso signifique violação dos princípios da legalidade e da tipicidade» (Acórdão n.º 93/01). Mas se é impossível uma total determinação dos elementos compósitos da ação punível, há de exigir-se um grau de determinação suficiente que não ponha em causa os fundamentos do princípio da legalidade. É que o princípio nullum crimen só pode cumprir a sua função de garantia se a regulamentação típica, ainda que indeterminada e aberta, for materialmente adequada e suficiente para dar a conhecer quais as ações ou omissões que o cidadão deve evitar. Como se escreve no Acórdão n.º 168/99, «averiguar da existência de uma violação do princípio da tipicidade, enquanto expressão do princípio constitucional da legalidade, equivale a apreciar da conformidade da norma penal aplicada com o grau de determinação exigível para que ela possa cumprir a sua função específica, a de orientar condutas humanas, prevenindo a lesão de relevantes bens jurídicos. Se a norma incriminadora se revela incapaz de definir com suficiente clareza o que é ou não objeto de punição, torna-se constitucionalmente ilegítima. 7. Nos demais domínios sancionatórios, como no direito de mera ordenação social e no direito disciplinar, a exigência de tipicidade não se faz sentir com a intensidade que tem no direito criminal. Com maior frequência os enunciados legislativos exprimem-se aí através de cláusulas gerais, conceitos indeterminados e enumerações exemplificativas. (…) A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a sublinhar que a exigência de determinabilidade do tipo que predomina no direito criminal não tem que ter a mesma rigidez e a mesma densidade no domínio con- traordenacional. Diz-se no Acórdão n.º 41/04 que a «Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes. Nem o artigo 29.º da Constituição se aplica imediata- mente ao ilícito de mera ordenação social nem o artigo 165.º confere a este ilícito o mesmo grau de controlo par- lamentar que atribui aos crimes»; e nos Acórdãos n. os 397/12 e 466/12 conclui-se que «não se pode afirmar que as exigências de tipicidade valham no direito de mera ordenação social com o mesmo rigor que no direito criminal». Todavia, a maior abertura dos tipos contraordenacionais causada pela utilização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados não significa uma total ausência de determinação normativa. A norma ou conjunto das normas tipificadoras não podem deixar de descrever com suficiente clareza os elementos objetivos e subjetivos do núcleo essencial do ilícito, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da tipicidade e sobretudo da sua teleologia garantística. Daí que só seja admissível uma “relativa indeterminação tipológica” que não saia da “órbitra daquilo que razoavelmente pode exigir-se em rigor descritivo ou limitativo, de modo a não esvaziar de conteúdo a garantia consubstanciada naqueles princípios” (Acórdão n.º 338/03). Exige-se pois um “mínimo de determinabilidade” das condutas ilícitas, de molde a que as decisões sancionatórias associadas sejam previsíveis e objetivas e não arbitrárias para os seus destinatários, que haja segurança na sua identificação e, consequentemente, quanto à sanção aplicável. A exigência de um mínimo de determinabilidade que permita identificar os comportamentos descritos em tipos contraordenacionais (e também em alguns tipos disciplinares) tem sido constante na jurisprudência constitucio- nal, desde a Comissão Constitucional (Parecer n.º 32/80, publicado in Pareceres da Comissão Constitucional, 14.º vol. pp. 51 e seguintes) até à jurisprudência mais recente (Acórdãos n. os 282/86, 666/94, 169/99, 93/01, 358/05, 635/11, 85/12, 397/12 e 466/12). Analisando a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao domínio contraordenacional, no Acórdão n.º 201/14 conclui-se que « (i) embora tais princípios não valham “com o mesmo rigor” ou “com o mesmo grau de exigência” para o ilícito de mera ordenação social, eles valem “na sua ideia essencial”; (ii) aquilo em que consiste a sua ideia essencial outra coisa não é do que a garantia de proteção da confiança e da segurança jurídica que se extrai, desde logo, do princípio do Estado de direito; (iii) assim, a Constituição impõe “exigências mínimas de determinabilidade no ilícito contraordenacional” que só se cumprem se do regime legal for possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas como ainda ante- cipar com segurança a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito». Deverá, pois, dizer-se que nos tipos contraordenacionais, a exigência de lex certa não será prejudicada com a identificação dos ilícitos mediante conceitos jurídicos indeterminados ou cláusulas gerais se for razoavelmente
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