TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

470 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E. Essa determinabilidade não ocorre no caso da norma em causa, pois que, do texto da lei, o empregador, cidadão comum sem conhecimentos médicos (que não resultem da experiência comum,) não consegue iden- tificar, em todos os casos, a necessidade de proceder à comunicação do acidente e à suspensão dos trabalhos. F. Não se tratando de um caso em que é possível identificar, com segurança, dadas circunstâncias óbvias, que está abrangido ou excluído dos conceitos de “gravidade” consagrados, como é o caso, o empregador entrará numa zona de indefinição e de insegurança, incompatível com as exigências constitucionais. G. Existindo na norma do artigo 9.º, n. os  1 e 2, do Decreto-Lei n.º 324/95, de 29 de novembro, um vazio nor- mativo, esta é, efetivamente, inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático, da segurança jurídica e da confiança, pelo que assiste razão ao Tribunal recorrido. Face ao exposto, deverá ser julgada inconstitucional a norma do artigo 9.º, n. os  1 e 2, do Decreto-Lei n.º 324/95, de 29 de novembro, por violação do disposto no artigo 2.º da Constituição, jugando-se, consequentemente, improcedente, o recurso interposto pelo Ministério Público, só assim se fazendo Justiça!» Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 6. No presente recurso está em causa a questão de saber se o tipo contraordenacional previsto em norma que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 9.º, por referência a determinados segmentos do n.º 1, com o n.º 1 do artigo 11.º, todos do Decreto-Lei n.º 324/95, de 29 de novembro − diploma que «transpõe para o direito interno as prescrições mínimas de segurança e de saúde a aplicar nas indústrias extractivas por perfu- ração a céu aberto ou subterrâneas» −, infringe o princípio da determinabilidade das leis, concretamente da tipicidade das leis punitivas, contido no princípio mais amplo da segurança jurídica, por seu turno ínsito no artigo 2.º da Constituição. A conjugação dos citados preceitos pode ser rigorosamente enunciada nos seguintes termos: «É con- traordenação a violação pelo empregador do dever de suspender todos os trabalhos suscetíveis de destruírem ou alterarem os vestígios deixados por acidente de que resulte morte ou lesão grave de trabalhadores ou que, independentemente da produção de tais danos pessoais, evidencie uma situação particularmente grave para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.» Como é bom dever, este enunciado contém três segmentos norma- tivos autónomos, referentes aos casos de acidente de que resulte morte de trabalhadores, lesão grave de tra- balhadores ou que evidencie uma situação particularmente grave para a saúde e segurança dos trabalhadores. Coloca-se a questão de saber qual destas normas foi julgada aplicável – e, nessa sequência, cuja aplicação foi efetivamente recusada – nos presentes autos. É evidente que não se tratou do segmento do n.º 1 do artigo 9.º que respeita aos casos de acidente de que resulte «morte de trabalhadores», visto que na situação dos autos o acidente de trabalho não resultou na morte do sinistrado; de resto, este segmento normativo constitui – segundo a decisão recorrida – um «enunciado facilmente determinável». Não é evidente qual dos dois outros segmentos normativos foi julgado aplicável nos autos. Muito do discurso da decisão recorrida se estende indistintamente a ambos, por exemplo quando se refere que, «as expressões em causa [lesão grave e situação particularmente grave] revestem-se de um elevado grau de inde- terminação no seu conteúdo normativo, para além da sua significação semântica, isto é, o sentido nelas pres- suposto não pode ser objetivamente determinável em toda a sua extensão». Esta e outras passagens podem dar a entender que a decisão recorrida não subsumiu o caso dos autos em nenhum dos dois segmentos, tendo tomado todos os casos em que não se verifica morte de trabalhadores como um único conjunto em que a incidência do dever se baseia na fórmula disjuntiva «lesão grave ou situação particularmente grave». Só que essa interpretação é incompatível com a própria estrutura do preceito, que delimita inequivocamente três classes de casos através de três conceitos distintos.

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