TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

468 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 69.º, 70.º, n.º 1, al. a) , 71.º, 72.º, n.º 3, 75.º e 78.º, da LOFPTC, “da decisão de referência 73776602” dos autos de proc. n.º 1275/16.9T8TMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém / Instância Central – 2.ª secção do Trabalho – J1 (Recurso de Contraordenação, Lei 107/2009), fls. 357 a 373, em que é recorrente A., S. A. e recorrido o Ministério Público, na medida em que na mesma se “recusou a aplicação do disposto no art. 111.º, n.º 1 e 3 da Lei 102/2009 de 10/09, na redação original, quando determina que o empregador deve comunicar à Autoridade para as Condições do Trabalho [doravante, ACT] os acidentes que “evidenciem uma situação particularmente grave nas vinte e quatro horas a seguir à ocorrência” com fundamento na sua Incons- titucionalidade por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade previstos no art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa”. 2.ª) Só em primeira análise a fórmula legal dos sinistros de trabalho “(…) que evidenciem uma situação particularmente grave” contante do artigo 111.º, n.º 1, cit., descreve um “conceito indeterminado”, pois ulte- riormente a administração do trabalho se encarregou, através da “circular interpretativa” intitulada “A Inspeção do Trabalho e os Inquéritos de Acidente de Trabalho e Doença Profissional”, que é de conhecimento público, de o concretizar enumerando as hipóteses típicas da respetiva aplicação aos casos da vida ou, em última análise, o mesmo é passível de ser concretizado através de procedimentos médicos ou em sede da colaboração da admi- nistração do trabalho com os empregadores, assim vencendo a inicial imprecisão conceitual e, a final, surtindo o comportamento ilícito determinado e inteligível, do ponto de vista dos seus destinatários típicos. 3.ª) Por outra parte, só o bom e tempestivo cumprimento deste dever de comunicação permitirá a efetiva prossecução e garantia, pela administração do trabalho, dos bens e interesses de eminente relevância, humana, social e económica, consagrados como imperativos constitucionais, seja a título objetivo, como “tarefas funda- mentais do Estado”, seja a título subjetivo, como de “direitos fundamentais dos trabalhadores”, da segurança, saúde e do bem-estar no trabalho. 4.ª) Em última instância, por simples cautela, o empregador deverá proceder à comunicação, pois tal dever notoriamente não é de reputar como excessivo, uma vez que os módicos custos do respetivo cumprimento são, em grandíssima medida, compensados pelo potencial benefício humano, social e económico associado e decorrente da coleta de informação em causa pela administração do trabalho (maior acerto na sua ação no domínio fundamental da promoção da segurança, da saúde e do bem-estar no trabalho) para os trabalhadores e para os próprios empregadores (conhecer melhor as necessidades de correção das medidas de controlo de riscos aplicadas nos locais de trabalho). 5.ª) Em conclusão, não concorre inconstitucionalidade material da hipótese legal do n.º 1 do artigo 111.º, n.º 1, na parte em que faz uso do “conceito indeterminado” de acidentes de trabalho “que evidenciem uma situação particularmente grave”, como fonte do dever de comunicar ali estabelecido, seja por violação do princípio constitucional da “segurança jurídica”, seja do princípio constitucional da “tipicidade”, no sentido, respetivamente, dos artigos 2.º e 29.º, n.º 1, ambos da Constituição. Nestes termos, concedendo provimento ao presente recurso, por concorrer erro de julgamento, na moda- lidade de erro de interpretação da norma jurídica cuja aplicação foi recusada, deverá ser revogada a decisão recorrida, baixando então os autos ao tribunal recorrido, a fim de que este a reforme em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade (LOFPTC, art. 80.º, n.º 2).” 32.º Ora, não se vê razão para alterar a posição anteriormente defendida pelo Ministério Público em casos seme- lhantes ao dos presentes autos. Nos presentes autos, estamos perante uma norma constante de um diploma relativo a uma área específica de atividade (indústrias extractivas por perfuração a céu aberto e subterrâneas) e que, por esse motivo, envolve menor dificuldade no recurso à experiência comum ou a conhecimentos científicos e técnicos do ramo, ou à ponderação dos riscos próprios da atividade da empresa arguida.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=