TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
465 acórdão n.º 659/20 Deve considerar-se, por isso, excluído que devam determinar a suspensão dos trabalhos, sob pena de se incorrer em contraordenação, acidentes de que decorram lesões que só posteriormente, e em resultado da evolução clínica do sinistrado, venham a determinar sequelas que, inicialmente, em função da natureza e da gravidade da lesão, não eram previsíveis?... O subjetivismo aumenta se nos reportarmos ao segundo segmento do n.º 1 do artigo 9.º referido, isto é, ao dever de suspensão de trabalhos, em caso de acidentes em que, independentemente da produção de tais danos pessoais, evidenciem uma situação particularmente grave para a segurança ou a saúde dos trabalhadores. A densificação do conceito de «situação particularmente grave para a segurança ou a saúde dos trabalhadores», tem contornos ainda menos precisos e aberto a subjetivismo, aumentando o grau de incerteza jurídica quanto ao conteúdo da conduta típica, afrontando o princípio da segurança jurídica. A opção legislativa pela fórmula «situação particularmente grave», abre-se a uma pluralidade de escolhas, tantas quantas as subjetividades que as constituem, gerando assim dúvidas e incertezas quanto ao tipo de acidentes de trabalho que devem ser comunicados à ACT e determinar a suspensão dos trabalhos. E não são as autoridades do trabalho, na sua função sancionadora, ou as autoridades judiciais, na sua função de controlo, quem vão dizer qual é a única solução válida, pois o grau de abertura do conceito indeterminado «particularmente grave» não deixa de possibilitar a intervenção das suas opções pessoais. Ora, ao abrir-se as portas à mera subjetividade, o agente não encontra no texto da lei a objetivação necessária e adequada que garanta a segurança e confiança jurídicas. Assim, conclui-se que a norma do artigo o n.º 2 do artigo 9.º, por referencia ao n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/95, de 29 de novembro revela um tal grau de indeterminação na definição da conduta contraordenacional que não satisfaz as exigências dos princípios do Estado de direito democrático, da segurança jurídica e da confiança, pelo é inconstitucional, por violação do artigo 2.º da Constituição, recusando-se, por conseguinte, a sua aplicação.» 3. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório de constitucionalidade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, enunciando o respetivo objeto da seguinte forma: «apreciação da constitu- cionalidade da norma legal prevista no n.º 2 do artigo 9.º[,] por referência ao n.º 1 do mesmo preceito[,] do Decreto-Lei n.º 324/95[,] de 29/11, que impõe ao participante do acidente a obrigação de suspensão dos tra- balhos suscetíveis de destruírem ou alterarem vestígios, no caso de acidentes de que resultem a morte ou lesão grave dos trabalhadores, por violação do disposto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.» Notificado pelo relator no Tribunal Constitucional para indicar a exata base legal da norma sindicada, o recorrente respondeu da seguinte forma: «na sua estrutura e formulação perfeitas (com previsão e estatuição), e em conformidade com o teor da decisão recorrida, o enunciado da norma jurídica recorrida é o previsto no artigo 9.º, n.º 2, com referência ao n.º 1 do mesmo preceito, e punido como “contraordenação” no artigo 11.º, n.º 1, ambos do Decreto-Lei [n.º] 324/95 de 29 de novembro (Transpõe para a ordem jurídica interna as Diretivas n. os 92/91/CEE, de 3 de novembro, e 92/104/CEE, de 3 de dezembro, relativas às prescrições mínimas de saúde e segurança a aplicar nas indústrias extractivas por perfuração a céu aberto ou subterrâ- neas).» As partes foram então convidadas a produzir alegações. 4. O Ministério Público apresentou alegações de que importa extrair o seguinte: «26.º Os factos são, com efeito, claros nos presentes autos, como se viu: o esmagamento de um trabalhador, com mais de 10 anos de experiência, numa mina gerida pela empresa arguida, devido à utilização de uma locomotiva por quem não tinha habilitação legal para o efeito, com sinais visíveis de sangue no sinistrado, em acidente devida- mente inscrito no plano de segurança e saúde da mesma empresa. Que dúvida legítima se poderá, pois, ter sobre o carácter grave do acidente, acidente, esse, que a própria magis- trada judicial reconhece e pune com coima adequada?
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