TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

464 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Decerto que um acidente que evidencie a perda de um membro importante do corpo, da visão, da audição ou a invalidez é um acidente que objetivamente está incluído no conceito de «lesão grave»; de igual modo, um acidente de que resulte uma ligeira laceração ou dor muscular que não determine a incapacidade para o trabalho é uma hipótese que objetivamente não está coberta pelo mesmo conceito. Mas pode haver alterações na integridade psicofísica do trabalhador que nem o recurso às regras da experiência e da ciência permite determinar com segurança se o acidente deve ou não ser comunicado às autoridades: um aci- dente de que resulte um entorse ou luxação com incapacidade para o trabalho por oito dias deve justificar aquela comunicação, poderá considerar-se lesão grave? A resposta só pode ficar à mercê da avaliação subjetiva-individual de cada empregador, pois aí deixa de haver lugar para uma opção objetivamente fundada. De facto, não é a perícia médica, a experiência comum ou as con- vicções éticas e culturais da comunidade que ditam se aquela lesão é ou não especialmente grave para os efeitos intencionados pelo dever de comunicação. Há aqui um espaço em branco, um vazio normativo, que apenas a subjetividade do empregador poderá preencher (...). Para além dos fins que determinaram a imposição do dever de comunicação, a norma do artigo 9.º do DL n.º 324/95, quer no seu n.º 1 quer no seu n.º 2, não fornece pois um ponto de orientação suficientemente determi- nado para que o empregador possa conhecer com rigor quais os acidentes de trabalho que determinam a respetiva comunicação e suspensão dos trabalhos, nem sequer vem acompanhado de uma enumeração casuística de exem- plos de lesões graves ou de «situação particularmente grave», que permita uma objetivação adequada e suficiente ou de uma remissão para outras fontes normativas que complementem e determinem aqueles casos. Sabe-se que estes métodos e técnicas legislativas, desde que permitam de forma suficientemente autónoma for- mular o facto ilícito, não põem em causa o sentido fundamental do princípio nullum crimen (...). Mas na ausência dessa regulamentação típica, fica-se por uma indeterminação normativa demasiado excessiva quanto à indicação dos acidentes de trabalho que o empregador deve comunicar à ACT e que determinam a suspensão dos trabalhos, de forma a preservar os indícios. Decerto que o legislador ao impor o dever de suspensão dos trabalhos não o fez para permitir manifestações meramente subjetivas dos empregadores, mas sim para que se realizassem os fins que o determinaram a estabelecer tal obrigação – de suspensão. Tal obrigação está diretamente relacionada com a norma do n.º 2 do artigo 279.º do Código do Trabalho, na versão então vigente, que atribui à ACT a competência para «realizar inquéritos em caso de acidente de trabalho mortal ou que evidencie uma situação particularmente grave». Por conseguinte, o dever de comunicação do acidente tem por finalidade permitir à ACT conhecer os casos que justificam a realização de um inquérito às condições de segurança em que o trabalho estava a ser prestado. O emprego do adjetivo «grave» e da expressão «particularmente grave» subtraem a aplicação do normativo em causa a um entendimento unívoco, já que a sua aplicação ao caso concreto pode envolver juízos de valor que inevitavelmente contêm elementos subjetivos, muitos deles integrados numa prognose. Quanto às normas que proíbem ações ou impõem omissões, cuja prática é cominada com uma sanção, a lega- lidade tem uma função de garantia, exigida pelo princípio do Estado de Direito, que só é cumprida se houver um mínimo de determinabilidade dos comportamentos proibidos. Ou seja, a norma deve ser minimamente clara e precisa para que o agente possa saber, a partir do texto legal, quais os atos ou omissões que acarretam a sua responsabilidade. Ora, é esse mínimo de objetivação que falha na formulação legal do dever de comunicação dos acidentes de trabalho e suspensão dos trabalhos às autoridades administrativas que é imposto aos empregadores. Para exprimir esse dever de suspensão dos trabalhos, cremos que não se mostra adequado e suficiente usar o enunciado «lesão grave», dado o elevado grau de indeterminação nele implicado, podendo, em certos casos, os empregadores ficar numa situação de dúvida e incerteza quanto à identificação das lesões graves, cuja ocorrência, como consequência de acidente de trabalho, devem determinar a suspensão dos trabalhos, para a preservação dos indícios, para que a ACT possa levar a cabo a sua atividade investigatória (fratura do membro? Rutura de liga- mento? Luxação? Entorse? Corte superficial na zona da cabeça e face?...).

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