TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
455 acórdão n.º 641/20 No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que res- peita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente for- mal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoável) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n. os 2 e 3, da Cons- tituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra Editora, 2003, pp. 839 e seguintes e, entre outros, os Acórdãos n. os 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/08, 350/12, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional). O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vetores essenciais: – a justificação da exigência processual em causa; – a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; – e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cfr., neste sentido, os Acórdãos n. os 197/07, 277/07 e 332/07). Regressando ao caso dos autos, não restam dúvidas que a exigência processual em causa, de junção aos autos do comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça, encontra justificação, num sistema em que o acesso à justiça não é gratuito e em que o andamento dos processos pressupõe o pagamento de taxas de justiça que são tidas como condição necessária ao impulso processual. Já no que respeita à onerosidade, para as partes, da exigência processual em questão, esta também não se revela excessiva, nem de difícil cumprimento. No entanto, não sendo excessivo o ónus imposto, já o é a consequência resultante do seu não cumprimento. Com efeito, a não junção dentro do prazo estabelecido do documento comprovativo do pagamento da taxa de jus- tiça poderá, razoavelmente, ser tida como um impedimento ao prosseguimento dos trâmites de determinado procedimento ou processo (neste caso os trâmites necessários à execução para pagamento de quantia certa, implicando que o Balcão Nacional de Arrendamento não remeta para o tribunal indicado no requerimento de despejo os elementos a que alude o artigo 12.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro). Já a outra consequência prevista – a de tal omissão ser havida como desistência do pedido, no sentido de, em face do disposto no artigo 285.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, extinguir o direito que se pretendia fazer valer –, para além de manifestamente desajustada em relação aos fins pretendidos, é também claramente desproporcionada, uma vez que associa à referida omissão uma consequência que, no plano substantivo, implica a perda irremediável de um direito, consequência essa que não se mostra justificada com base num critério de necessidade (com efeito, bastaria, a exemplo do que acontece noutros regimes processuais que tal consequência tivesse efeitos apenas no plano da extinção da instância e não já no que respeita à extinção do direito em questão). Assim, a norma do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, na interpretação cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, ao prever, como consequência para a sua inobservância a perda ime- diata e irremediável do direito de crédito que se pretendia fazer valer, viola o disposto nos n. os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, na medida em que a garantia da via judiciária aí consagrada, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de ação judi- cial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo. […]” (itálicos acrescentados).
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