TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

453 acórdão n.º 641/20 proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , pp. 839 e seguintes). A exigência que o recorrente, neste tipo de recursos, juntamente com o requerimento de interposição, não se limite a juntar uma cópia do acórdão-fundamento, devendo antes apresentar uma certidão judicial que ateste a existência, o teor e o trânsito daquela decisão, não deixa de revelar-se funcionalmente adequada aos fins do recurso, não sendo uma exigência arbitrariamente imposta, sem qualquer sentido útil para a tramitação processual. Na verdade, visando este tipo de recursos a uniformização da jurisprudência, através da prolação de uma decisão que solucione uma contradição entre a fundamentação jurídica de decisões proferidas por tribunais superiores em processos distintos, é necessário assegurar-se a existência, o conteúdo e o trânsito em julgado da decisão-fundamento. E se, algumas vezes, a localização do processo onde foi proferida essa decisão e a obtenção da pretendida certidão pode colocar alguns problemas, não é possível afirmar que a imposição desse ónus à parte recorrente dificulte de modo excessivo ou intolerável a sua atuação procedimental com vista à utilização do direito ao recurso nestas situações, até porque essa exigência não é incompatível com o deferi- mento de um pedido do recorrente no sentido do tribunal de recurso lhe conceder um prazo suplementar que lhe permita superar os obstáculos surgidos (vide, sustentando essa possibilidade, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, em Código de Processo Civil anotado , vol. 3.º, Tomo I, p. 156, da 2.ª edição, da Coimbra Edi- tora), ou que colabore na ultrapassagem desses escolhos. É certo que a solução de exigir da parte do recorrente a obtenção e apresentação de elementos que o tri- bunal de recurso poderá obter com maior facilidade, uma vez que respeitam a decisões judiciais, inclusive de decisões que podem ter sido proferidas por esse mesmo tribunal (quando a contradição ocorre relativamente a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça), não é seguramente necessária para a obtenção dos elementos necessários à decisão do recurso, como também não se revela a menos onerosa para as partes, mas isso não é suficiente para a excluir da área de conformação do legislador ordinário. O problema de constitucionalidade da norma sob fiscalização reside sobretudo na consequência estabelecida para a inobservância de um requisito formal que não se encontra expressamente previsto no texto legal. Enquanto a letra do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, exige a mera junção de cópia do acórdão-fundamento, a interpretação efetuada pela decisão recorrida, impõe que o recorrente junte certidão com nota de trânsito daquele acórdão, sob pena de, irremediavelmente, o recurso não ser admitido. A exigência de uma certidão não se compreende nos sentidos possíveis do termo “cópia”, não sendo possível retirar da necessidade do acórdão-fundamento ter transi- tado em julgado, a obrigatoriedade do recorrente juntar logo com o requerimento de interposição de recurso a prova documental desse trânsito. E o facto de já existirem anteriores decisões do Supremo Tribunal de Justiça sufragando o mesmo entendimento não é suficiente para se poder concluir que exista uma jurisprudência suficientemente sedimen- tada para que as partes, num juízo de razoabilidade, devessem contar com ela. Na verdade, a reforma operada, ao nível dos recursos, que introduziu o recurso de revista excecional, apenas foi aplicada aos processos entrados em juízo após 1 de janeiro de 2008, pelo que tem um tempo de vigência demasiado curto para que se possa falar, a este respeito, de uma jurisprudência de tal modo consolidada e publicitada em termos de as partes poderem ser sancionadas com a perda irremediável de um direito tão importante como é o direito ao recurso por não terem observado essa orientação jurisprudencial, sem que lhes tenha sido dado uma específica oportunidade de suprirem essa inobservância. Neste quadro, em que o ónus imposto pela interpretação impugnada não é discernível no texto legal para os interessados em recorrer, mesmo que estes cumpram os deveres de uma conduta processual diligente e observem os ditames de prudência técnica, a sanção do não recebimento do recurso com fundamento no incumprimento desse ónus, sem que lhes seja dada uma específica oportunidade para o cumprir, revela-se uma solução manifestamente injusta. A imposição de um ónus imprevisto, perante a letra de lei, e por isso de difícil cumprimento pelas partes, tendo como consequência para a sua inobservância a perda imediata e irremediável de um importante direito de defesa processual, como é o direito ao recurso, não é seguramente conforme a um fair trial. Ora, a garantia da via judiciária estatuída no artigo 20.º, da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de

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