TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

445 acórdão n.º 641/20 “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constitui- ção, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucio- nalmente protegidos”. “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. “O princípio da proporcionalidade [consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição] desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação ( as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos ); princípio da exigibilidade ( essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato ); princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar-se medidas desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)” [Acórdãos deste Tribunal Constitucional n. os 187/01 e 632/08 ]. Lopes do Rego, na sua obra “ Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa “, Coimbra Editora, 2004, sobre” Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil “, refere na página 855: “ As exigências de simplificação e cele- ridade – assentes na necessidade de dirimação do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adição de mecanismos que desencoragem as partes de adotar comportamentos capazes de conduzir ao protela- mento indevido do processo, sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere – mas também justa, adequada e ponderada ”. Ora, é isto mesmo que sucede com a cominação, em apreço, do disposto no n.º 2 do artigo 637.º do Código de Processo Civil: Aniquila com a imediata rejeição o direito ao recurso, admissível pela lei [alínea b) do n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil ], pela mera falta de junção de cópia, ainda que não certificada, do acórdão-funda- mento, e que constitui exagero cominatório demasiado desproporcionado para assegurar a satisfação daqueles fins, mesmo que fossem os aduzidos pelo acórdão recorrido: os “ da necessidade de racionalizar os escassos meios para administrar a Justiça, não permitindo que o debate de determinadas questões, entre as mesmas partes, se espraie indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica, que ao Estado, como defensor público, compete assegurar ”, uma vez que estes, como é bom de ver, não podem ser elevados a justificantes. Na verdade, mesmo com escassos meios disponibilizados para administrar a Justiça, o Estado tem o dever cons- titucional de a administrar, e administrando – a, mesmo com escassos meios, é que cumpre esse dever. E por outro lado, não é a mera falta de junção de cópia, ainda que não certificada, do acórdão-fundamento, a que o próprio Supremo Tribunal de Justiça tem acesso, que faz espraiar indefinidamente o debate de determinadas questões, entre as mesmas partes, em prejuízo da paz jurídica, porque paz jurídica é o que as partes pretendem que se faça pelo recurso interposto e que a lei admite, e essa paz jurídica só pode ser obtida pela resolução do conflito jurisprudencial, que os Tribunais criaram ao decidir, divergentemente, a mesma questão fundamental de direito [alínea b) do n.º 2 do artigo 671.º do Código de Processo Civil ]. E por aqui se tem de concluir que, a disposição em causa do n.º 2 do artigo 637.º do Código de Processo Civil, é, materialmente, inconstitucional, porque afronta o princípio constitucional da proporcionalidade, previsto no n.º 2 do artigo 18.º da constituição.

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