TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

437 acórdão n.º 640/20 originar a violação das disposições constitucionais invocadas pela recorrente, em especial o direito à aprecia- ção da causa de forma equitativa, por uma entidade imparcial e independente. Também quanto a esta matéria, vale a pena recuperar a fundamentação desenvolvida no Acórdão n.º 277/11, cuja transposição para o caso vertente pode ser feita sem reservas: «Mas a recorrente também acusa a secção do Supremo Tribunal de Justiça, a quem compete proceder ao jul- gamento destes recursos de não ter condições de isenção e independência para os julgar, atenta a sua composição e modo de designação. Atualmente os recursos das deliberações do Conselho Superior de Magistratura, designadamente em matéria de disciplina dos magistrados judiciais, são julgados por uma secção específica do Supremo Tribunal de Justiça, constituída pelo vice-presidente mais antigo e quatro juízes conselheiros, um de cada secção daquele Tribunal, anual e sucessivamente designados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo em consideração a res- petiva antiguidade (artigo 168.º, n. os  1 e 2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais). Estando estes juízes, também eles sujeitos à gestão e disciplina do Conselho Superior de Magistratura, do qual é Presidente precisamente o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 218.º, n.º 1, da Constituição), a Recorrente questiona a independência e imparcialidade dos juízes Conselheiros a quem é atribuída a competência para julgar os recursos interpostos das decisões do Conselho Superior de Magistratura, designadamente em matéria disciplinar. No artigo 203.º da Constituição, consagra-se a independência dos tribunais, a qual pressupõe a independência dos juízes. Conforme referiu Castro Mendes, “a independência dos juízes é a situação que se verifica quando, no momento da decisão, não pesam sobre o decidente outros fatores que não os judicialmente adequados a conduzir à legalidade e à justiça da mesma decisão” (“Nótula sobre o art. 208.º, da Constituição – Independência dos juízes”, em Estu- dos sobre a Constituição, edição da Petrony, de 1977), o que reclama que os juízes se encontrem numa situação de imparcialidade ou terciariedade face às partes do processo que são chamados a decidir. Apesar de apenas o n.º 5 do artigo 222.º da Constituição, referir esta qualidade, relativamente, aos juízes do Tribunal Constitucional, isso não significa que esta exigência não recaia também sobre os juízes dos tribunais judiciais, estando o legislador ordinário vinculado a criar um quadro legal que garanta e promova a imparciali- dade dos juízes, como forma de realização do princípio da independência dos tribunais (artigo 203.º, n.º 1, da Constituição), e do direito dos cidadãos a um processo equitativo, quando a eles recorrem (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição). Daí que não seja admissível a atribuição da competência para decidir uma causa a quem, objetivamente, não se encontre numa posição com o distanciamento suficiente, relativamente às partes a quem a decisão afete, que lhe permita julgar sem quaisquer influências estranhas à legalidade e à justiça da decisão. Ora, o facto dos juízes que compõem a secção do Supremo Tribunal de Justiça competente para julgar os recur- sos interpostos das deliberações do Conselho Superior de Magistratura, designadamente em matéria disciplinar, se encontrarem sujeitos à gestão e disciplina deste órgão, não pode ser encarado, de uma perspetiva objetiva, como um fator suscetível de influenciar a sua pronúncia nessas causas. As relações entre este órgão e os juízes não são de subordinação, gozando estes não só de independência face aos demais poderes do Estado, mas também de uma independência interna, sendo a sua gestão e disciplina levada a cabo pelo Conselho Superior de Magistratura, segundo regras prévia e abstratamente fixadas (vide Gomes Cano- tilho, sobre as relações entre os juízes e o Conselho Superior da Magistratura, em “A questão do autogoverno das Magistraturas como questão politicamente incorreta”, em AB VNO AD OMNES – 75 anos da Coimbra Editora, pp. 247 e seguintes). Daí que o facto da entidade emitente da decisão recorrida ser o Conselho Superior da Magistratura não é razão para que, objetivamente, os juízes da referida secção do Supremo Tribunal de Justiça não se encontrem numa posi- ção que lhes permita julgar sem quaisquer influências estranhas à legalidade e à justiça da decisão.

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