TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
434 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL das mesmas revestirem a natureza de um ato administrativo. Se o objetivo da atribuição das funções de gestão e disciplina dos juízes a um órgão autónomo havia sido o de garantir a independência do poder judicial, face aos demais poderes do Estado, não podia o controle das decisões desse órgão ser entregue a quem não gozava de inteira independência perante o poder executivo. Além disso, embora navegando num mar de incertezas e hesitações, a opinião dominante, na altura, apontava para a integração dos tribunais administrativos nos tribunais comuns, como tribunais especializados, o que condu- ziria ao breve desaparecimento do Supremo Tribunal Administrativo. Contudo, a aprovação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de abril, na sequência da revisão constitucional de 1982 que reconhecera aos particulares o direito de obter o reconhecimento contencioso de direitos ou interesses legalmente protegidos contra atos administrativos (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição/82), veio alterar profundamente o sistema de justiça administrativa e fiscal, em Por- tugal, estabelecendo uma nova orgânica para os tribunais administrativos e fiscais, paralela à dos tribunais comuns, e aprovando um estatuto dos juízes que neles prestam serviço com vista a garantir a sua completa independência, sendo a sua nomeação, gestão e disciplina da competência de um novo órgão dotado de uma autonomia seme- lhante à do Conselho Superior de Magistratura – o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. A Revisão Constitucional de 1989 veio a conferir força constitucional a esta opção, instituindo um sistema de pluralidade jurisdicional, em que os tribunais administrativos e fiscais passaram a integrar uma ordem jurisdicional obrigatória própria, na qual o Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da respetiva estrutura hierár- quica, tendo os seus juízes as mesmas garantias e incompatibilidades dos juízes dos tribunais judiciais. Com estas alterações, a falta de alternativas à opção pelo Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de recurso das deliberações do Conselho Superior da Magistratura deixou de subsistir, uma vez que o Supremo Tribunal Administrativo passou a ser um órgão dotado da independência necessária para exercer essa competência. Contudo, o legislador manteve essa competência numa secção do Supremo Tribunal de Justiça constituída especificamente para esse efeito, apesar das críticas e da existência de vozes propondo soluções alternativas ( v. g. Jorge Miranda, em “Os parâmetros constitucionais da reforma do contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 24, p. 3). 2.2. Da reserva de competência dos tribunais administrativos A Recorrente defende que a Constituição ao cometer aos tribunais administrativos o julgamento dos recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações administrativas (artigo 212.º, n.º 3) estabelece uma reserva absoluta de competência, não podendo o legislador ordinário atribuir a outros tribunais a competência para decidir tais recursos. É esta também a opinião de Rui Machete (em “A Constituição, o Tribunal Constitucional e o Processo Admi- nistrativo”, em Tribunal Constitucional. Legitimidade e legitimação da justiça constitucional , p. 160, edição de 1995, da Coimbra Editora) e de Gomes Canotilho e Vital Moreira, (em Constituição da República Portuguesa anotada , vol. II, p. 566, da 4.ª edição, da Coimbra Editora), para quem, apenas uma interpretação “forçada” do texto constitucional, consente na atribuição a outros tribunais da competência para o julgamento de questões que se devam ter por administrativas. Também Mário Esteves de Oliveira sustenta esta posição, embora admita com recurso ao elemento sinépico ou experimental da interpretação jurídica, a desaplicação dessa regra de reserva absoluta, quando o exijam, em casos extremos, os princípios da necessidade ou da impossibilidade (em “A publicidade, o notariado e o registo públicos de direitos privados”, em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares , pp. 500-515, da edição de 2001, da Coimbra Editora). Já Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida (em “ Grandes linhas da reforma do contencioso administrativo ”, pp. 21 e seguintes, da edição de 2002, da Almedina), e Paulo Rangel (na ob. cit. , pp. 202-207) admitiram a possibi- lidade do legislador remeter para os tribunais judiciais o conhecimento de algumas questões emergentes de relações jurídicas administrativas, quando haja interesses privados relevantes a considerar, para assegurar uma tutela efetiva de direitos fundamentais dos cidadãos, face à falta de meios da jurisdição administrativa.
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