TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

423 acórdão n.º 638/20 dedução dos encargos financeiros suportados com a aquisição, durante a vigência desse regime, de participa- ções sociais ainda detidas em 31 de dezembro de 2013 – e não por a adoção desse regime frustrar qualquer expetativa legitimamente depositada na sobrevigência de orientações interpretativas vertidas em circulares, ou na sua transposição para um regime de direito transitório, que viesse a permitir às SGPS beneficiar da isenção das mais-valias a realizar com a alienação dessas participações (agora ao abrigo do artigo 51.º-C do CIRC) e ainda deduzir os respetivos encargos financeiros suportados no mesmo período. 28. Não há dúvida, afirmámo-lo já, de que os sujeitos passivos de IRC que, desde 1 de janeiro de 2014, se encontram abrangidos pelo regime consagrado no artigo 51.º-C do CIRC – universo em que se incluem as SGPS – beneficiam de um tratamento fiscal mais favorável do que aquele que, ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, era reservado a estas sociedades. Não há igualmente dúvida de que os sujeitos passivos ora abrangidos por esse regime, que venham a realizar mais-valias com a transmissão onerosa de participações sociais adquiridas entre 2003 e 2013, não tiveram que suportar os custos acrescidos que as SGPS suportaram durante o mesmo período, para agora beneficiarem da mesma isenção. Todavia, como este Tribunal tem constantemente afirmado, «a mera diferença de direitos resultantes da sucessão de regimes legais do tempo não convoca a dimensão de censura assacável ao princípio da igualdade. Deste parâmetro apenas resulta a proibição de tratamentos diferenciados sincrónicos e não diacrónicos, sob pena de inadmissível cerceamento da liberdade de conformação do legislador, enquanto espaço autónomo do poder legislativo configurado pela própria Constituição.» (vide o Acórdão n.º 364/15). Também neste caso é de reafirmar que as exigências que defluem do princípio da igualdade não impõem uma cristalização da ordem jurídica – sobretudo em matérias, como a versada nos regimes legais em questão, que convocam uma reconfiguração dinâmica dos interesses públicos extrafiscais prosseguidos pelos benefí- cios fiscais ou, mais amplamente, das opções de política fiscal a adotar em cada momento –, nem podem fundar a exigência de uma aplicação retroativa de regimes fiscais mais favoráveis. Ad absurdum , o legislador seria nessa hipótese dissuadido de aprovar uma legislação tributária mais favorável aos contribuintes, por se mostrar inviável restituir-lhes os montantes que não teriam pago, se o regime mais favorável tivesse sido adotado mais cedo. De resto, não pode esquecer-se que, enquanto se manteve em vigor o n.º 2 do artigo 32.º do EBF, as SGPS se encontraram numa posição simétrica de relativa vantagem (ao menos, potencial), pois, como se salientou no Acórdão n.º 42/14, «o termo de comparação com outras sociedades não pode ignorar que estas não se encontram em posição de partida equivalente, na medida em que os ganhos decorrentes de mais-valias realizadas com a alienação de participações sociais não são suscetíveis de isenção de tributação em IRC. Não existe, por isso, identidade de condições entre a recorrente e tais contribuintes, de forma a que se possa con- siderar ter sido criado regime de tributação particular globalmente desfavorável para as SGPS, com referência a encargos financeiros geneticamente ligados à aquisição de participações sociais.» 29. O tribunal recorrido entendeu, por último, que a norma que constitui objeto do presente recurso contende com o princípio consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real». E isto na medida em que «os grupos de sociedades que se encontrem numa situação como a da requerente acabam sendo tributados por um rendimento que efetivamente não obtiveram, porquanto se trata de um rendimento que não corresponde ao rendimento que económica e contabilisticamente foi apurado – sendo que efetivamente o lucro tributável que a requerente apurou nos anos de 2003 a 2013, e pelo qual foi objeto, nesses exercícios, de tributação em IRC, não teve em conta todos os correspondentes gastos incorridos no desenvolvimento da sua atividade empresarial, porquanto os encargos financeiros com a aquisição de partes de capital social das sociedades dominadas não foram objeto de qualquer dedução, como o referido princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real inequivocamente o exigiria.» (cfr. o n.º 33 da parte III.C.2.7. da decisão recorrida).

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