TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
422 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL jurídicas, que projetam os seus efeitos na esfera da administração, vinculando o subalterno à interpretação da lei ditada pelo superior hierárquico, mas não se pode dizer que representem em si mesmas fontes do direito fiscal por não constituírem parâmetro de validade dos atos praticados pela administração, que hão de encon- trar esse parâmetro nas normas legais que as circulares visam interpretar. Significa isto que os tribunais não estão obrigados a fazer da lei a mesma interpretação que a administração fixa no seu direito circular e que os contribuintes não estão obrigados a aplicar a lei seguindo as orientações que através das circulares se dirigem aos serviços.» (vide Manual de Direito Fiscal , 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p. 161). Não se ignora que a relevância da vinculação da Administração às orientações genéricas que emite e publicita vem sendo debatida na doutrina (vide, com especial contundência, João Taborda da Gama, “Tendo surgido dúvidas sobre o valor das circulares e outras orientações genéricas…”, in Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 157-225). No caso presente, tal aspeto não é, todavia, determinante para uma tomada de posição quanto à pretensa violação da confiança dos contribuintes. Com efeito, por maior relevo que pudesse ser conferido ao valor vinculativo de uma Cir- cular – cuja ilegalidade, relativamente a outros pontos, já foi repetidamente afirmada pelos tribunais admi- nistrativos (vide, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de setembro de 2018, Proc. n.º 0406/18.9BALSB; e de 11 de dezembro de 2019, Proc. n.º 0333/18.0BALSB) –, dos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica não pode extrair-se uma força imobilizadora que constrinja a Administração a manter imutável uma dada interpretação das normas tributárias, mesmo depois de estas terem sido alteradas ou revogadas por opção do legislador. Aliás, tal como defendem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, «se, depois de ter mantido uniformemente, durante um certo período de tempo, uma mesma interpretação da lei, na sua aplicação aos casos concretos, a administra- ção tributária se convence que é correta uma outra interpretação, o princípio da igualdade não é obstáculo a que a passe a adotar na sua prática, exigindo apenas, para não existir discriminação, que a nova interpretação seja aplicada generalizadamente.» (in Lei Geral Tributária – Anotada e comentada, 4.ª edição, 2012 p. 626). Por maioria de razão, não se mostra possível defender que a Administração esteja vinculada a manter uma orientação interpretativa que pressupõe a sobrevigência de um regime revogado – ou, como sucede in casu , a desaplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, de uma disposição revogatória –, nem que seria absolutamente imprevisível que essa orientação pudesse ser objeto de revisão, ou que deixasse de vigorar após a aprovação de uma reforma profunda do regime de tributação a que, ainda que indiretamente, se refere. De resto, sempre se relembrará que a Circular em causa fundava uma expetativa de dedução dos custos incorridos no exercício correspondente ao momento da alienação das participações – o que, como supra se referiu, não se verificou no caso dos autos. Por último, não será de mais chamar a atenção para o facto de o próprio tribunal a quo ter acabado por concluir que a ausência de um regime de direito transitório – ou de uma «solução justa», como lhe chamou – «não é de modo algum compensada ou remediada pela circunstância de se ter introduzido, com a Reforma do IRC que começou a vigorar em 1 de janeiro de 2014, o regime de participation exemption », e mais rele- vantemente ainda, de ter afastado a possibilidade de essa compensação vir a ocorrer com base na ideia de que o novo regime, ao não depender na sua aplicação «da forma jurídica que assuma a sociedade na esfera da qual sejam apuradas essas mais-valias ou menos-valias», «não resolve a discriminação negativa das SGPS, que perdurará enquanto não for resolvido, quanto a elas, o problema de terem, em cumprimento de obrigações legalmente determinadas, acrescido, até 31 de dezembro de 2013, os encargos financeiros com a aquisição das referidas participações sociais, e terem sido tributadas em função desse acréscimo.» (cfr. o n.º 18 da parte III.C.2.8. da decisão recorrida). Ou seja, sem negar que as mais-valias a realizar com a alienação de partes sociais pelas SGPS continuarão a não concorrer para a formação do lucro tributável – logo, que não será frustrada qualquer expetativa legitimamente formada a esse respeito –, o tribunal recorrido acabou por reconduzir a questão colocada pela ausência de um regime transitório a um problema de igualdade. Para o tribunal recorrido, a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, é inconstitucional uma vez que da consagração do regime de participation exemption resulta uma discriminação negativa das SGPS, no que se refere à não
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=