TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

421 acórdão n.º 638/20 onerosa de participações sociais. E embora a nova lei tenha introduzido para aquele efeito algumas regras e condições, diferentes das aplicáveis ao abrigo do regime antes constante do EBF, nem o tribunal a quo, nem a própria recorrida identificaram qualquer uma que pudesse constituir um obstáculo à isenção da tributação das mais-valias a realizar no futuro com a alienação das participações sociais, a cuja aquisição corresponderam os encargos financeiros não deduzidos nos exercícios de 2003 a 2013. De resto, aquilo que distingue o regime-regra do anteriormente vigente é a circunstância de não se tratar já de um benefício fiscal, mas antes, e assumidamente, de um mecanismo de eliminação da dupla tributação económica, que tem um âmbito de aplicação mais amplo e do qual não se mostram excluídas as SGPS. A aprovação deste regime obsta, pois, a que se encare a norma objeto do presente recurso como uma norma da qual resultou como efeito automático a eliminação in totum daquele «binómio». Da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF resultou, imediatamente e apenas, a sujeição das SGPS ao regime-regra (cfr. o artigo 13.º, n.º 1, do EBF) e, se este foi alterado praticamente em simultâneo, ainda que pela Lei n.º 2/2014 e não pelo Lei do Orçamento do Estado para 2014, tal dado legislativo não pode ser desconsiderado quando se trate de determinar se existiu ou não uma efetiva frustração da confiança depositada na vigência das con- dições estabelecidas pela norma fiscal revogada. Da consideração desse dado legislativo retiram-se, desde logo, duas conclusões. A primeira é que não pode ser reconhecida uma legítima confiança na existência de um regime especial- mente aplicável às SGPS e formalmente inserido no EBF, do mesmo modo que não pode atribuir-se relevo autónomo à circunstância de este ter deixado de constar do EBF para passar a constar do IRC ou de ter deixado de configurar um benefício fiscal em consequência da própria alteração do regime-regra. A segunda conclusão, mais importante ainda, é esta: se a contrapartida dos encargos acrescidos assu- midos entre 2003 e 2013 era a isenção das mais-valias a realizar com a alienação das participações sociais a que respeitaram, então, mantendo-se substancialmente, e no essencial, em vigor a norma que exclui esses rendimentos do lucro tributável a apurar pelos sujeitos passivos antes abrangidos pelo artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não se mostra substancialmente ofendida a confiança depositada na vigência desse regime. 27. Tendo em conta o afirmado supra (vide ponto 25), resta verificar se pode dar-se como legítima e gorada a expetativa de que uma eventual revogação do benefício consagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF seria acompanhada da aprovação ou sobrevigência de um regime transitório que permitisse deduzir os encar- gos financeiros suportados entre 2003 e 2013. O principal argumento mobilizado pelo tribunal a quo a favor desta hipótese é, como se referiu já, a existência da Circular n.º 7/2004, cujo n.º 6 prevê que «[c]aso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime [ i. e. , do regime especial consagrado, então, no artigo 31.º, n.º 2, do EBF], proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custo em exercícios anteriores.» Admitindo «que o futuro não pode ser um perpétuo prisioneiro do passado, nem podem a segurança jurídica e a proteção [da] confiança transformar-se em valores absolutos, capazes de petrificar a ordem jurí- dica, imobilizando o Estado e impedindo-o de realizar as mudanças que o interesse público reclama» (cfr. o n.º 17 da parte III.C.2.7), o tribunal recorrido aceitou, em abstrato, a possibilidade de o regime consagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF ser validamente revogado. Mas, nessa hipótese, entendeu que a interpretação veiculada pelo n.º 6 da Circular n.º 7/2004, da Direção-Geral de Contribuições e Impostos era idónea a gerar nos contribuintes a expetativa de que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, seria ainda, e transitoriamente, inter- pretado e aplicado no sentido de permitir deduzir os encargos financeiros suportados enquanto esse regime se manteve em vigor – pois tal era o entendimento que, no passado, a Administração Tributária decidiu adotar e em sintonia com o qual os contribuintes agiram (cfr. o n.º 9 da parte III.C.2.5.). Não se mostra, todavia, possível acompanhar este entendimento. Importa relembrar, antes do mais, que segundo a opinião que pode dizer-se ainda maioritária na doutrina, tal como resumida por Sérgio Vasques, «(…) Seguramente que as circulares constituem normas

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