TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
420 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situa- ção de expectativa (vide o Acórdão n.º 128/09). Antes, porém, de submeter a norma objeto do presente recurso à análise para que remetem os quatro testes acima referidos, há um aspeto que convém clarificar. No que respeita à atuação esperada do Estado, tanto a decisão arbitral como as alegações da recorrente referem-se a duas ordens de expetativas que, embora indissociáveis, são de algum modo distintas. Trata-se, por um lado, (i) da expetativa de que as SGPS conti- nuariam a ser beneficiárias especiais de um desagravamento fiscal, com as características do benefício con- sagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF; e, por outro (ii) da expetativa de que uma eventual revogação desse benefício seria acompanhada da aprovação de um regime transitório, idêntico ao previsto na Circular Nor- mativa n.º 7/2004, que permitisse deduzir os encargos financeiros suportados entre 2003 e 2013. É o que se extrai, v. g. , do segmento do acórdão recorrido que serviu para o tribunal arbitral afirmar que «a conjugação da revogação da isenção constante do artigo 32.º, 2 do EBF pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, por um lado, com a total desconsideração da não dedução dos mencionados encargos financeiros em exercícios passados, por outro lado, não supera com êxito qualquer dos quatro testes ou requisitos que o Tribunal Constitucional português tem adotado, e nos quais assenta a aplicação do princípio constitucional da proteção da confiança legítima (…).» (vide, v. g. , o n.º 30 da parte III.C.2.7. da decisão recorrida, citado supra ). Ou do entendimento segundo o qual, uma vez revogado o regime especial consagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, «o que contenderia com a proteção da confiança seria não aplicar o regime previsto no referido final do n.º 6 da Circular aos contribuintes que agiram em sintonia com o entendimento que a Administra- ção Tributária decidiu adotar, quanto à possibilidade de deduzir os encargos quando se viesse a verificar que não podia ser aplicado o regime referido» (cfr. o n.º 9 da parte III.C.2.5.). Não perdendo tal dado de vista, comecemos, pois, por averiguar se pode dar-se como verificada uma efetiva lesão das expetativas geradas quanto à estabilidade do regime cuja revogação nos ocupa. 26. Em face do que se afirmou já a respeito das características do benefício fiscal consagrado no n.º 2 do artigo 32.º do EBF (vide supra o n.º 23), não é possível negar a existência de uma expetativa fundada, e mere- cedora de consideração, na isenção das mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de participações sociais por SGPS cujos encargos de financiamento não tenham concorrido para o lucro tributável apurado entre 2003 e 2013. Com efeito, não há dúvida de que o benefício concedido às SGPS pelo artigo 32.º, n.º 2, do EBF, embora automático e irrenunciável (cfr. os artigos 5.º, n.º 1, e 14.º, n.º 8, do EBF), é suscetível de ter condicionado as opções de gestão destes agentes económicos durante a vigência do benefício e implicou, como se referiu já, a não dedução de gastos que de outro modo teriam sido relevantes para o apuramento do lucro tributável, o que só é justificável como reverso do direito a beneficiar da isenção correspetiva. O que já não se mostra minimamente demonstrado – em face da sucessão de regimes legais a que se aludiu supra – é que essa expetativa tenha sido, realmente, frustrada. A aprovação da Lei n.º 2/2014 e a revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF perturbaram, é certo, o «binómio encargo financeiro não dedutível/realização de mais-valia isenta», sobre o qual detidamente versou o Acórdão deste Tribunal n.º 42/14, tendo a realização de mais-valias passado a ser tributada nos termos do IRC. Todavia, pressupondo a lesão da confiança que a mutação do direito infraconstitucional afete, em sen- tido desfavorável, as expetativas da comunidade «na estabilidade da ordem jurídica e na constância da atua- ção do Estado» (Acórdão n.º 128/09), percebe-se que não seja possível apreciar a questão de constituciona- lidade com que se debateu o tribunal recorrido abstraindo da aprovação daquela nova disciplina que, nos termos dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 2/2014, «consum[iu] o regime fiscal previsto para as SGPS». Ora, com a aprovação da Lei n.º 2/2014, a realização de mais-valias passou realmente a ser tributada. Simplesmente, passou a ser tributada segundo o novo regime-regra previsto no artigo 51.º-C do CIRC, que manteve, sem aparente interrupção, a isenção da tributação de mais-valias realizadas com a transmissão
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=