TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

418 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por conseguinte, à livre revogabilidade de benefícios com esta natureza opõem-se relevantes objeções emergentes dos princípios da segurança jurídica, da boa fé e da proteção da confiança, prima facie invocáveis também a respeito da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, já que, tal como se afirma na decisão recorrida, é inegável a existência de «uma ligação inextrincável entre os factos tributários passados, em que a requerente não deduziu os encargos financeiros incorridos no exercício da sua atividade de SGPS com a aquisição de partes de capital de outras sociedades, que se consolidaram no passado, com os factos tributários futuros concretizados na realização das mais-valias que passaram a ser tributadas.» (cfr. o n.º 25 da parte III.C.2.7). Mas é também esta ligação que, esclareça-se já, leva a excluir a possibilidade de considerar abrangida pela proibição consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição a disposição legislativa que revogou o artigo 32.º, n.º 2, do EBF. Com efeito, tal como recentemente se reafirmou no Acórdão n.º 175/18, «continua a poder retirar-se da orientação desde há muito sufragada na jurisprudência deste Tribunal que a proibição da retroa- tividade fiscal consagrada no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, para além de «sancionar, de forma auto- mática», «a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares» (Acórdão n.º 128/09), apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo somente os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular produziu já todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga; excluídas do âmbito de aplicação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, encontram-se, por isso, as situações de retrospetividade ou de retroativi- dade imprópria, isto é, aquelas em que a lei nova é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede com as normas fiscais que produzem um agravamento da posição fiscal dos contri- buintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga, continuando a formar-se sob a vigência da nova lei (cfr. Acórdão n.º 267/17, bem como os Acórdãos n. os 617/12 e 85/13, que, por sua vez, remetem para os Acórdãos n. os 128/09, 85/10 e 399/10).» Produzindo efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014 e não tangendo as mais-valias realizadas (e não tribu- tadas) com a transmissão de participações sociais até essa data, a revogação do regime privilegiado aplicável às SGPS não pode considerar-se autenticamente retroativa, na medida em que, embora se reporte a valorizações de bens e ativos que começaram a formar-se na vigência da lei antiga, terá repercussões sobre a posição fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio desta. 24. A verificação de que uma norma não contende diretamente com o disposto no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição não é suficiente, porém, para concluir pela respetiva conformidade constitucional. Assim o é porque, conforme entendimento constante deste Tribunal (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 128/09, 175/18 e 309/18), também no âmbito tributário as mutações da ordem jurídica não podem atingir as expe- tativas criadas ao abrigo da lei antiga em termos incompatíveis com aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição. Impõe-se, assim, verificar se a norma em causa efetivamente excede, tal como entendeu o tribunal recor- rido, os limites decorrentes do princípio da proteção da confiança. Tendo em conta a anterior jurisprudência constitucional, o Acórdão n.º 309/18, proferido em matéria fiscal, densificou tal princípio do seguinte modo: «13. (…) [O] legislador não está impedido de alterar o sistema legal afetando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis. O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal (Acórdão n.º 188/09). Se bem que a aplicação do princípio da proteção da confiança depende, necessariamente, do confronto entre a finalidade de interesse público e as expectativas frustradas pela medida em causa, para aferir da existência de uma “situação de confiança” e do “investimento na confiança”, importa ter presente o método que a jurisprudência constitucional adota quando procede à ponderação desses interesses.

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