TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

417 acórdão n.º 638/20 significativo desfasamento entre o momento em que este tipo de rendimento se realiza e o(s) momento(s) em que é necessário assumir as despesas indispensáveis para a sua obtenção. Por sua vez, esse desfasamento dificilmente será assumido, sem qualquer entorse, por um sistema de tributação periódica de rendimentos em que as mais-valias se incluam. Razões de simplicidade, eficiência, neutralidade e praticabilidade podem justificar, portanto, não apenas que as mais-valias sejam tributadas no momento da sua realização (cfr. o artigo 46.º, n.º 2, do CIRC), como também que os custos suportados com a obtenção desses rendimentos sejam considerados no período ou exercício em que ocorrem. No que respeita ao regime especialmente aplicável às SGPS até 2013, questionou-se por isso se poderia ser considerado um verdadeiro benefício o desagravamento fiscal sobre um ganho incerto, quando este vinha associado a um agravamento fiscal certo – ou seja, o agravamento resultante da não concorrência dos encar- gos financeiros para o apuramento do lucro tributável e dos custos associados ao cumprimento deste dever. Quanto a esta questão, pronunciou-se este Tribunal, no Acórdão n.º 42/14, concluindo: «21. (…) [O] argumento da incerteza da realização de mais-valia, e consequentemente da isenção da sua contri- buição para a formação do lucro tributável, não comporta, neste campo valorativo, o resultado que a recorrente lhe atribui. Essa suscetibilidade – em si mesma portadora de valor e assente numa perspetiva de implícita continuidade da atividade da SGPS – persiste, ao contrário do que acontece com outros contribuintes, em termos de equilibrar – neutralizar – os encargos financeiros em que incorreu o contribuinte, cabendo na sua margem de determinação económica, no âmbito regular da atividade de gestão de participações sociais, a escolha quanto à conveniência e oportunidade da alienação de parte de capital e realização de mais-valias. Outras soluções normativas capazes de atingir o mesmo desiderato poderiam, é certo, ter sido acolhidas, mas essa escolha cabe na margem de determina- ção do legislador democrático, que no plano das normas de incidência negativa, como em geral no estabelecimento de benefícios fiscais (em sentido lato, na definição de Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais,  in Cader- nos de Ciência e Técnica Fiscal, 165, pp. 31 e seguintes), haverá que reconhecer como dotada de especial amplitude, em função de maior ou menor performance económica do setor empresarial visado e da margem orçamental a que o Estado possa recorrer. Acresce que, no caso em apreço, intercedem especiais razões de praticabilidade e exequibilidade. Elaborando sobre as várias soluções normativas para o problema da dilação entre encargos financeiros e realização de mais- -valia – critério da intenção de dedução; adoção de um princípio de dedutibilidade; adoção de um princípio de não dedutibilidade – Tiago Guerreiro afasta as duas primeiras, pelo convite à fraude fiscal e por inviabilidade de se proceder a acerto  a posteriori , mormente com a apresentação de declarações de substituição relativas a períodos de imposto anteriores, conclui que “[e]sta terceira opção parece a mais viável, e consiste em os sujeitos passivos adotarem como regime regra em termos genéricos no novo regime estabelecido, e, no momento da realização, caso se verifiquem algumas das situações previstas no n.º 3 do artigo 31.º que implicam o afastamento do regime regra, então fazer as devidas correções, permitindo ao sujeito passivo considerar para a formação do seu lucro tributável os encargos financeiros suportados” ( O Novo Regime Fiscal das SGPS, 2003, pp. 35 e 36).» O benefício fiscal concedido ao abrigo do n.º 2 do artigo 32.º do EBF – tendo deixado de ser tem- porário, por força da alteração legislativa introduzida no artigo 3.º, n.º 3, do mesmo Estatuto pelo artigo 144.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro – não deixa de apresentar um conjunto de caraterísticas que Nuno Sá Gomes qualifica como reveladoras da natureza paracontratual ou bilateral dos benefícios (vide, a este respeito, os Acórdãos deste Tribunal n. os  175/18 e 309/18). Segundo este Autor, «sempre que estivermos perante benefícios fiscais que sejam medidas dinâmicas de fomento fiscal ainda que puras ou estabelecidas por tempo indeterminado, devemos considerá-los como benefícios paracontratuais de que emergem direitos adquiridos que devem ser respeitados», uma vez que tais medidas se revelaram «determinantes do comporta- mento do contribuinte» (Nuno Sá Gomes, “Teoria Geral dos Benefícios Fiscais”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 362, p. 250).

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