TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020
413 acórdão n.º 638/20 passivos possam afastar a tributação sobre uma realidade tributária que não foi, nem implícita, nem explici- tamente, excluída de tributação pelo legislador», por violação do princípio da legalidade «nos seus corolários da tipicidade e da reserva de lei parlamentar» (cfr. o n.º 224 das alegações produzidas no processo arbitral). O tribunal recorrido, acompanhando embora a recorrente no que respeita à inexistência de uma presun- ção implícita, concluiu que a prova «de que existiu um uso exclusivamente empresarial, ou seja, um uso nem “misto” nem “exclusivamente privado”, mormente a prova de que as viaturas não eram, pela sua natureza nem pelas circunstâncias da sua utilização efetiva, suscetíveis de tal utilização “mista” ou “exclusivamente privada”» basta para excluir do âmbito de incidência da norma os encargos com viaturas utilizadas nessas condições. Para alcançar uma tal conclusão, foram considerados diversos argumentos – em especial, relacio- nados com a teleologia deste regime jurídico – que sustentam a interpretação que o tribunal a quo considerou estar alinhada com a «via hoje dominante na doutrina e na jurisprudência, mormente na jurisprudência arbitral, de que a linha de interpretação do quadro normativo aplicável é a que conclui que se trata de tri- butar situações de potencial uso “misto” de viaturas da empresa, em especial situações em que a ausência de comprovação adequada possa abarcar o efetivo uso “misto” de tais viaturas, ou até o seu uso exclusivamente particular, como puro “benefício marginal” indocumentado.» No requerimento de interposição de recurso, veio a recorrente invocar que a posição adotada pelo tribu- nal recorrido – na medida em que, recorde-se, admitiu «o afastamento da incidência de tributações autóno- mas quando se considere haver o sujeito passivo logrado a prova da sua afetação integralmente empresarial» – «assenta numa interpretação manifestamente contrária à CRP, designadamente por violação do princípio constitucional da legalidade, patente no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, nos seus corolários da reserva de lei par- lamentar e da tipicidade e princípio da segurança jurídica e proteção da confiança» (cfr. supra os n. os 6, 19 e 20 do requerimento, citado em 4). Ora, ao assim enunciar a questão de constitucionalidade que pretende ver debatida, a recorrente pres- supõe que a solução adotada não acha o mínimo respaldo na lei, de tal modo que pode afirmar-se que o tribunal criou direito sobre matéria que a Constituição reserva ao legislador. Ora, ante a problemática distinção entre decisão e interpretação normativa em matérias abrangidas pelos princípios da legalidade (fiscal e criminal), este Tribunal vem assumindo poderes de cognição restriti- vos, circunscritos aos casos, bem delimitados, em que haja evidência de estar em causa um critério normativo elaborado «através de um procedimento que a Constituição, por imposição das garantias de legalidade e tipicidade, penal e tributária, expressamente exclui» (cfr. o Acórdão n.º 441/12 – vide, também, o Acórdão n.º 182/20). Sucede que, mesmo depois de chamada a pronunciar-se sobre a possibilidade de o objeto do recurso não ser conhecido por este motivo, a recorrente não logrou demonstrar – nem é notório – que o critério normativo contestado haja sido obtido através de qualquer solução metodológica manifestamente proibida à luz do princípio da legalidade, criticando apenas a interpretação do direito infraconstitucional adotada pelo tribunal a quo – interpretação sobre cujo acerto não compete a este Tribunal pronunciar-se, pelas razões já abordadas supra (no número anterior). Esta conclusão é também pertinente à invocação neste contexto da violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. Note-se que a própria recorrente, nas alegações produzidas diante deste Tribunal, aborda esse parâmetro como uma consequência indissociável da violação do princípio da legalidade. Ao referir-se à «legalidade tributária, na vertente da generalidade e abstração, decorrentes do princípio da legalidade e também enquanto instrumentos da igualdade fiscal» (cfr. o n.º lxvii das conclusões), a recorrente deixa nítido que a hipotética violação do princípio da igualdade não configura uma questão diversa da violação do princípio da legalidade. Chamada a pronunciar-se sobre a possibilidade de esta questão não ser conhecida por não constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, a recorrente limitou-se a afirmar que «o artigo 88.º, n. os 3 a 6, norma de incidência objetiva, foi interpretado no sentido de que a mesma contém uma “presunção de empresarialidade”, por via da qual, nos termos do disposto no artigo 73.º da LGT, se admite a sua ilisão para efeito de afastar a tributação autónoma». Sucede, todavia, que esta nova formulação da norma objeto do
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=