TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

411 acórdão n.º 638/20 de dedução ao lucro tributável de 2014 de todos os encargos financeiros acrescidos ao lucro tributável dos onze anos anteriores, os da vigência do regime, assim fazendo equivaler a revogação a uma revogação ex tunc da componente do regime constante do art. 32.º do EBF que obrigava à desconsideração dos encargos finan- ceiros, portanto reportada ao início de aplicação do mesmo regime». Assim enunciado, o objeto do recurso esgota-se na apreciação descritiva e crítica do modo como o tri- bunal a quo solucionou o caso sub judice , relevando exclusivamente da desaprovação do percurso argumen- tativo que, no entender da recorrente, serviu de base à anulação dos atos impugnados nos autos. Com efeito, segundo a recorrente, tal solução será inconstitucional «em face da absoluta inexistência de norma legal que o preveja, por violação do princípio da legalidade tributária» e também do «princípio da igualdade tributá- ria», na medida em que não obedece às exigências de «generalidade e abstração da lei fiscal, decorrentes do princípio da legalidade e enquanto instrumentos da igualdade fiscal» (cfr. os n. os 13 e 14 do requerimento, citado supra no n.º 4). A própria caracterização do vício invocado constitui, pois, um outro indicador seguro de que a pretensão da recorrente é a de que este Tribunal se pronuncie sobre a inconstitucionalidade da decisão arbitral, na medida em que esta, por ter adotado uma solução que não encontra suporte no direito infraconstitucional, possa ter infringido a Constituição (CRP). Opondo-se à possibilidade de o objeto do recurso não vir a ser conhecido nesta parte, alegou a recor- rente que «o critério normativo adotado produz uma conclusão normativa com contornos claramente gene- ralizadores, porquanto o que dele se conclui é que, em sede de IRC, quando uma norma especial impede a dedução fiscal de certos custos num determinado período de tributação e venha a ser revogada, caso a lei nova nada diga sobre esses custos anteriormente suportados e não deduzidos fiscalmente no respetivo período de tributação, então todos esses custos se consideram imediatamente dedutíveis.» Invocou, ainda, que o princípio da legalidade tributária, consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição, «também se des- tina ao intérprete impedindo-o de, com justificação na revogação de um regime jurídico, proceder à elimi- nação retroativa de parte desse regime, precisamente a parte do regime desfavorável às SGPS e que impedia a desconsideração dos encargos financeiros.» O argumento aduzido pela recorrente não só confirma que a censura pretendida se dirige diretamente ao intérprete-aplicador por alegada violação da lei ordinária, como releva de premissas que não encontram sequer correspondência no acórdão recorrido. Deste resulta que em nenhum momento o tribunal recorrido mobilizou um critério semelhante ao ora gizado pela recorrente – potencialmente aplicável a qualquer alte- ração legislativa relevante para a ponderação de custos em sede de IRC – como ratio decidendi da decisão adotada. O tribunal a quo, como supra se referiu já, recusou aplicar a disposição que revogou o artigo 32.º, n.º 2, do EBF e, em consequência, entendeu julgar procedentes os argumentos mobilizados na reclamação graciosa dos atos de liquidação de IRC apresentada pela ora recorrida, admitindo in casu a dedução dos encargos financeiros nos termos por esta pretendidos. Não se vê, pois, que seja possível extrair da solução realmente alcançada pelo tribunal a quo qualquer critério «com contornos claramente generalizadores», que possa constituir objeto idóneo do presente recurso. Por outro lado, tornou-se mais claro que a violação do princípio da legalidade tributária invocada pela recorrente é dirigida à solução aplicada ao caso concretamente sub judice e, portanto, à decisão recorrida – não sendo, sequer, aflorada a hipótese de esta resultar do recurso a qualquer solução metodológica legalmente autorizada mas constitucionalmente vedada (vide, a este respeito, os Acórdãos n. os 441/12, 695/15 e 182/20). Ora, este Tribunal tem constantemente entendido que os recursos interpostos no âmbito da fiscaliza- ção concreta da constitucionalidade, embora incidindo sobre decisões, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais, em si mesmas consideradas (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n. os 466/16, 473/18, 241/19, 117/20 e 125/20). Tal como esclarece Carlos Lopes do Rego, «o recurso de constitucionalidade (…) tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica – não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto (…).»

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