TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 109.º Volume \ 2020

409 acórdão n.º 638/20 Não se vê, todavia, que os argumentos de direito infraconstitucional adicionalmente mobilizados pos- sam verdadeiramente ser autonomizados da questão da inconstitucionalidade da revogação do regime con- sagrado no EBF. A violação «direta» do EBF pelos atos administrativos impugnados resulta – como chega a ser admitido pelo tribunal – da circunstância de a Administração ter aplicado a norma revogatória constante da Lei do Orçamento do Estado para 2014, tida pelo tribunal como «hierarquicamente superior» ao EBF. Este vício que o tribunal recorrido imputou ao ato tributário mais não é, pois, do que uma consequência derivada da revogação do regime consagrado no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, e da circunstância de esta não ter sido acompanhada de qualquer regime de direito transitório, capaz de mitigar as consequências dessa alteração legislativa. Neste contexto, a invocação dos artigos 11.º e 14.º do EBF apenas vem enfatizar a ideia de que a confiança depositada pela recorrida na estabilidade do regime era fundada e legítima. Do mesmo modo, o derradeiro argumento mobilizado pelo Tribunal para julgar procedente a pretensão da recorrente – isto é, o de que a solução alcançada no acórdão recorrido seria a única capaz de evitar um locupletamento indevido por parte do Estado – tem como pressuposto necessário o juízo de inconstitucio- nalidade sobre a revogação do benefício fiscal antes concedido às SGPS. É o que se extrai com clareza do trecho da decisão recorrida em que se afirma: «(…) se pensarmos que o artigo 32.º, 2 do EBF estabeleceu o regime de um benefício condicionado, assente numa correspetividade ou bilateralidade entre benefício e indedutibilidade, e se pensarmos na ilegalidade da revogação abrupta e imprevisível do próprio regime que estabelecia esse benefício condicionado, criando  ex lege uma impossibilidade superveniente não imputável ao sujeito passivo de imposto – essa conjugação, como referimos anteriormente, aponta, nos termos gerais de Direito, para regras de restituição e de não-locupletamento.» (cfr. o n.º 2 da parte III.C.2.10). Ainda que o tribunal se refira à «ilegalidade da revogação abrupta e imprevisível» do regime, o que está em causa é, claramente, a inconstitucionalidade dessa revogação – que torna «indevida» a receita arrecadada pelo Estado em resultado da indedutibilidade dos encargos financeiros suportados, entre 2003 e 2013, com a aquisição de partes de capital pelas SGPS. Conclui-se, portanto, que todas as demais ilegalidades associadas aos atos impugnados nos autos têm como pressuposto necessário o afastamento, por inconstitucionalidade, da disposição que revogou o regime antes contido no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pelo que o conhecimento do objeto do recurso apresenta indis- cutível utilidade. 15. Importa, todavia, assinalar que não resulta expressamente da matéria de facto dada como provada que a recorrida haja alienado em 2014 as participações ainda detidas em dezembro de 2013, adquiridas ao abrigo do regime anteriormente em vigor. Ou seja, e recorrendo à terminologia da Circular, não se verificou que a recorrida tivesse procedido, no exercício de 2014, à consideração como custo fiscal dos encargos finan- ceiros (não considerados como custo em exercícios anteriores), por ter sido esse o momento da alienação das participações ainda detidas em 31 de dezembro de 2013. Também o tribunal a quo considerou esse pressu- posto de facto irrelevante para a decisão proferir. Com efeito, afirma-se expressamente na decisão recorrida: «embora se refira na Circular o momento da alienação como aquele em que se pode concluir pela verifica- ção, ou não, de todos os requisitos de aplicação do regime, deve a Circular ser entendida, por interpretação declarativa do final do seu n.º 6, como admitindo a aplicação desse entendimento às situações em que possa concluir-se, antes do momento da alienação, que o regime já não pode ser aplicado, pois o que é relevante para viabilizar a dedução dos encargos é apenas a conclusão segura de que não se verificam os requisitos de aplicação daquele regime» (cfr. o n.º 8 do ponto III.C.2.5 da decisão). Como tal – e tendo presente que os poderes de cognição deste Tribunal se cingem à norma cuja aplica- ção foi efetivamente recusada (cfr. artigo 79.º-C da LTC) – , impõe-se delimitar mais rigorosamente o objeto do recurso interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC em face do teor da decisão recorrida, esclarecendo-se que este é constituído pelo artigo 210.º da Lei n.º 83-C/2013, quando interpretado no sentido de não admitir, em consequência da revogação do artigo 32.º, n.º 2, do

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